Os anos 80 já caminhavam para seu final, a Guerra Fria chegava a um acordo, que dava uma certa vitória moral para o ocidente, e, além do fato de Roger Moore já estar ficando velho, o mundo precisava de um James Bond um pouco diferente. O jeitão mais debochado dos últimos filmes não funcionaria em uma sociedade que via salas de cinema se encherem para assistir Arnold Schwarzenegger e Sylvester Stallone.
A resposta dos produtores foi trazer Timothy Dalton, um ator que com uma certa trajetória no cinema, mas que ainda era relativamente desconhecido. Dalton já tinha mais de 40 anos quando assumiu o primeiro filme, “007 Marcado Para Morte”, mas, diferente de Moore, não aparentava tanto. Em parte por esse motivo que, apesar das coreografias ainda toscas, as lutas e cenas de perseguição de Dalton eram um pouco mais críveis. De qualquer jeito não dava para fazer muito, considerando que os roteiristas ainda acreditam que um soco pode deixar alguém desmaiado por meia hora.
Dalton estrelou apenas dois filmes como James Bond, o já citado “Marcado Para Morte” e “007 Permissão Para Matar”, que se tornou seu grande clássico com o personagem. O primeiro toma emprestado o clima de tensão da Guerra Fria, ainda que seja uma trama sensivelmente mais política do que o simples “vamos fazer os EUA e a URSS se destruírem para tomarmos o mundo” dos filmes de Moore. Já o segundo é uma trama de vingança, envolvendo traficantes de drogas, que mais parece, do enredo à fotografia, um filho bastardo da série “Máquina Mortífera”, ou de “Duro de Matar”. Ajuda nisso o fato de se passar quase todo nos EUA.
O Bond de Dalton é consideravelmente mais sensível, ainda que disfarce dizendo tomar certas atitudes, em geral para proteger mulheres, pelo bem da missão. Ele não usa as mulheres em interesse próprio, tendo o charme como uma arma, como seus antecessores. As mulheres acabam o ajudando, mas mais naquele esquema Goldie Hawn e Mel Gibson em “Alta Tensão” (que, vá lá, só seria gravado três anos depois, mas serve para refletir o espírito da época). Além disso, esse 007 é infinitamente mais fiel e apaixonado. Ele fica com apenas uma mulher no primeiro filme, e com duas no segundo (e faz questão de deixar a segunda “arranjada”, depois de dispensá-la).
Este também é um James Bond que se preocupa em fazer o certo, antes de simplesmente cumprir com a sua missão. Ele está mais para um Príncipe Encantado dos contos de fada, que para um agente secreto de moral dúbia. Essa certeza do que é certo e errado é, na verdade, todo o mote de “Permissão Para Matar”. Afinal, ele perde seu status de “00” (ou seja, com licença para matar) justamente porque quer se vingar do assassino de seu amigo. O que, inclusive, atrapalha seu julgamento, comprometendo a missão.
Por outro lado, um dos grandes méritos de “Permissão Para Matar” é dar um pouco mais de espaço para o grande Desmond Llewelyn, que vinha intepretando o gênio inventor do Serviço Secreto Britânico Q desde o segundo filme com Sean Connery, “Moscou Contra 007”, e o faria até o penúltimo de Pierce Brosnan, “O Mundo Não É o Bastante”. Isso ainda dá lugar para que algumas traquitanas divertidas, ainda que bastante práticas, apareçam, como o equipamento de filmagem que vira uma arma de alta precisão, ou a pasta de dentes explosiva.
Depois de Dalton ter entregue a Walter PK, o mundo ficou seis anos sem um filme estrelado por James Bond. O maior período desde a estreia de “007 Contra o Satânico Dr. No”, em 1962. Só em 1995 teríamos uma nova aventura, estrelada por Brosnan.
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Publicado originalmente em 24 de outubro de 2012 no Portal POP.