O perfeito balanço entre diversão e emoção, entre cenas de ação, humor e drama, temperado com um comentário político – que só aparece se você estiver um pouco disposto a entender dessa forma – é o santo graal dos filmes hollywoodianos. Coisa para poucos, como Steven Spielberg, nos anos 80, ou Peter Jackson, mais recentemente. Mas, e digo sem medo, ao menos com seu “Além da Escuridão – Star Trek”, podemos facilmente incluir J.J. Abrams nesse panteão.
A tríade narrativa, ação-comédia-drama, começa frenética, já na primeira cena. Ela não é gratuita, está ali para estabelecer que Kirk talvez seja inexperiente demais para ser comandante – piscando o olho para o fã, já que na série clássica ele passou mais de dez anos em treinamento, e aqui menos de cinco por conta da nova linha temporal estabelecida no filme anterior. Ao mesmo tempo, o grande vilão (ou um deles), faz seu primeiro movimento. O que leva a Frota Estelar a tomar medidas drásticas.
É vago, eu sei. Mas revelar mais do que isso arrisca a estragar algumas das muitas surpresas do roteiro. E elas não são apenas em relação à identidade do vilão, interpretado por Benedict Cumberbatch – até porque o fã mais atento já sabe quem ele é tem tempos. Mas sim em relação a toda uma ordem de acontecimentos, que é justamente em que melhor recai o drama e o comentário sociopolítico. Ainda que, passado algum tempo, buracos no roteiro fiquem cada vez mais evidentes (praticamente metade dos problemas ou mais pode se resolver com o teletransporte), o ponto é que o enredo funciona de forma bastante consistente. Ou isso, ou a ação alucinante nos deixa meio anestesiados e nem percebemos qualquer falha em uma primeira olhada.
Em essência, esta é a mesma USS Enterprise do primeiro, mas neste filme suas dependências e seu tamanho parecem ficar melhor dimensionados na cabeça do espectador. Especialmente quando a vemos, logo no começo, aparecer diante de outras pessoas. É a primeira vez que podemos ver o quão grande ela é de verdade. O mesmo acontece com sua lógica de funcionar mais como um submarino e menos como uma nave ao estilo Millennium Falcon, de “Star Wars”.
A afinação do elenco, grande trunfo do “Star Trek” anterior, só melhora em “Além da Escuridão”. Chega ao ponto de que o “bem-vinda à família” que Kirk diz para a personagem de Alice Eve no final nem soar piegas. Há uma profunda relação de pertencimento que funciona não apenas entre os atores/personagens, mas que acaba, em parte, extrapolada para os fãs – este sendo o grande chamariz da série clássica.
Ao mesmo tempo em que temos o alinhamento da tríade Spock-Kirk-McCoy, vemos um contraponto em mais uma ótima interpretação de Cumberbatch. Ele, que já garante um lugar no grupo de grandes vilões do cinema recente, que tem Coringa, Silva e Loki (especialmente porque seu plano é meio parecido com o dos outros três), entrega um personagem que causa medo, acima de tudo. Ele é uma ameaça real, não pela sua força e inteligência sobre-humanas, mas porque nem pisca para cruzar linhas morais e éticas se isso significa alcançar seus objetivos.
Texto publicado originalmente no Portal POP.