O primeiro amor é um tema recorrente no cinema. Especialmente porque ele acontece na adolescência, a época em que somos mais inseguros, irritantes e irritáveis. O despertar da sexualidade, o lento processo de auto-conhecimento – que a desinformação não ajuda -, as provocações e implicâncias de outros que só querem esconder suas próprias fragilidades e a presença dos pais que parecem ter esquecido que já foram um dia, também, adolescentes, não ajudam em absolutamente nada.
A força de “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” está em conseguir, de alguma forma, captar esse momento, que é tão instável. Para isso ele foca nos primeiros anos da adolescência de Leonardo, vivido por Guiherme Lobo. Um garoto que soma todas essas inseguranças ao fato de ser cego, acuando entre suas próprias (poucas) limitações, preconceito alheio e superproteção dos pais. Sua única amiga é Giovana, papel de Tess Amorim, que começa a nutrir aquele sentimento de mais-que-amigos por ele. Mas as coisas entre os dois mudam quando entra um aluno novo, Gabriel, interpretado por Fabio Audi.
O diretor Daniel Ribeiro não tem pressa. Já não tinha muita quando dirigiu o curta “Eu Não Quero Voltar Sozinho” (que você pode ver no player acima, mas talvez seja mais bacana depois de ver o filme nos cinemas). Agora, então, no longa, que amplia a trama, com novos personagens e situações, é que a coisa vai com toda a calma do mundo. Por que leva tempo, também, para os personagens – especialmente o próprio Leonardo – entenderem o que é que está acontecendo com ele. E, uma vez compreendido, decidir o que fazer.
Só que a sombra da adolescência ainda paira. E a narrativa se estende em desencontros, mal entendidos e o tempo infinito que seus amigos resolvem que não irão mais falar com você – a arma final de todo jovem. E se tendo alguém para dividir suas angústias, a vida já não é fácil, imagina sozinho?
O filme se apoia, basicamente, no roteiro bem montado e na bela fotografia para funcionar. Os atores, o trio central, apesar de ter problemas com a maneira como dão as falas – todos abusando de pausas e gemidos, prejudicando um pouco o ritmo – até que está concentrado, mas eles talvez já sejam velhos demais para assumir os personagens, que ainda estão preocupados com os primeiros beijos, e não com a primeira vez – o que implica em uma certa inocência para o longa, que compensa com suavidade os temas pesados. A idade dos atores também afeta a construção por conta da voz, que precisa subir um ou dois tons. Considerando, porém, o tamanho do desafio, eles até que saem bem.
O destaque, porém, é para Lobo e seu Leonardo. Seu olhar sempre desfocado, perdido no horizonte, e trejeitos de quem busca se guiar pelos outros sentidos é um dos trunfos absolutos do filme. Não será difícil sair de uma sessão em que as pessoas se perguntarão se o ator era cego ou não. Trunfo maior ainda para Ribeiro, que amplia o uso da cegueira do personagem de mero recurso narrativo – o toque no braço para caminhar, o beijo dado por um desconhecido -, para um grande pano de fundo emocional.
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Publicado originalmente no Portal POP.