A violência é tema recorrente do cinema por ser parte fundamental daquilo que nos torna humanos. Qualquer passada de olho em jornais ou redes sociais comprova isso. O argentino Relatos Selvagens, dirigido por Damián Szifrón, é mais um dos que partem dessa temática para construir sua trama. E se destaca por conseguir entender que a violência se manifesta de formas mais amplas e profundas do que um clássico soco na cara. Ainda que a vingança seja sua manifestação mais recorrente e por isso mais explorada no filme.
O primeiro dos seis segmentos que compõem o filme já dá o tom: em um avião prestes a decolar as pessoas aos poucos descobrem que possuem uma estranha relação. Não há nada nas outras histórias que as una em um conjunto coeso, da mesma forma que os passageiros, não fossem os atos de violência que são feitos em resposta à outros atos de violência. É aí que reside a selvageria do título. No fato de que nos agredimos uns aos outros por motivos absolutamente aleatórios.
Os dois segmentos seguintes, o de uma mulher que fica tentada a fazer algo quando o agiota que destruiu sua família aparece em sua lanchonete (em destaque na foto) e dos dois motoristas que brigam brutalmente quando um impede o outro de ultrapassar, abraçam formas mais convencionais de violência. A agressão física é a marca central. E a vingança, a consequência direta da violência, é obrigatoriamente brutal.
Ainda que esses primeiros segmentos sejam bem interessantes é nos três últimos que Szifrón amplia mais a sua investigação sobre a violência. Acompanhamos um pai rico dando um jeito de livrar o filho da cadeia, um engenheiro que se sente assaltado pelo sistema legislativo de sua cidade (esse é estrelado por Ricardo Darín, cumprindo a cota que parece exigida por lei na argentina) e uma mulher que durante a festa de casamento descobre um segredo de seu noivo. A agressão não é principalmente física. É das instituições, que esmagam o individuo. Este, por sua vez, não vê outra opção que não reagir em explosão.
Szifrón ainda se mostra mais do que um contador de histórias habilidoso. As tramas de seu roteiro, brilhantes e instigantes por si só, ganham belas possibilidades visuais com a sua direção. Logo de cara, no primeiro segmento, a câmera é posicionada no compartimento de bagagens, enquadrando os personagens de cima para baixo enquanto um oferece ajuda para outra com as malas, iniciando o diálogo que irá fazer a trama andar.
Esse é o primeiro de uma série de movimentos de câmera que são tão belos quanto discretos e que permeiam todo o filme. Esses enquadramentos aliados à temática da violência urbana dão a Relatos Selvagens um legítimo ar hitchcockiano, que o eleva a condição imediata de neo-clássico contemporâneo. É o mais recente de uma série de filmes argentinos que nos conquistam pela sensibilidade e brilhantismo. Que venham sempre outros.