É fácil pensar que Rua Cloverfield, 10 (10 Cloverfield Lane, 2016) faz uma defesa da paranoia como forma de sobrevivência. O bunker montado por Howard (John Goodman) para se proteger em caso de uma eventual guerra nuclear, invasão marciana ou qualquer outra de suas obsessões conspiratórias salva não apenas sua própria vida, como também a dos jovens Michelle e Emmett (Mary Elizabeth Winstead e John Gallagher Jr.). Mas logo fica claro que a ameaça do desconhecido, presente do lado de fora das instalações, se revela preferível ao horror que está entre eles.
O “Cloverfield” do título nos conecta com Cloverfield: Monstro (Cloverfield, 2008), que usava o recurso de “filmagens encontradas” – como A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, 1999) ou Atividade Paranormal (Paranormal Activity, 2007) – em uma trama à Godzilla: “monstro gigante ataca a cidade”. Mas sua intenção era menos a de fazer um filme de monstro e mais fazer uma investigação das relações humanas em situação limite, ou o ideal de qualquer trama de horror. Essa relação está bem sedimentada em Rua Cloverfield, 10. Nós, espectadores, em algum momento seremos confrontados com as características mais profundas das personalidades de Howard, Emmett e Michele.
“Cloverfield”, então, traduz-se em uma espécie de selo, já que os dois filmes dividem muito mais um espírito do que uma linha narrativa, mais parecido com a relação que diferentes episódios de Além da Imaginação (The Twilight Zone, 1959-1965) tinham entre si. Há o ponto de vista humano em um contexto de fim da civilização por uma ameaça sobrenatural com grande poder de destruição. Mas essa força destrutiva em cada um dos filmes, é de natureza radicalmente diferente, tanto do ponto de vista visual quanto de método de ataque. Ao mesmo tempo, são filmes simétricos. O original começa com três personagens, amigos, em um ambiente fechado, uma festa, e que, diante do caos, fogem por suas vidas. Este parte de desconhecidos em fuga e, aos primeiros sinais do fim do mundo, se fecham para sobreviver.
A sobrevivência cobra um preço. Rua Cloverfield, 10 postula que a paranoia nasce de um lugar sombrio demais para ser uma força positiva, ou mesmo confiável, neste mundo. Sua origem está na incapacidade de olhar os outros como iguais, de sentir empatia. Daí as atitudes de que rapidamente se voltam ao autoritarismo bélico e ao individualismo radical. Howard, como o trailer adianta, é o pivô deste discurso, mais fortemente marcado pela dualidade entre proteção e ameaça. Mas os outros dois também possuem sua parcela de culpa. O bunker, neste sentido, representa o isolamento de todos os personagens em relação ao mundo.
Quando a encontramos na sequência inicial, Michele está fugindo de sua vida, mal conseguindo conversar com o namorado por telefone. Emmett, em postura semelhante, jamais conseguiu seguir em frente com seus planos e sonhos. E não demora muito para descobrirmos que Howard não é exatamente sociável. Por isso a redenção para estes personagens está na possibilidade de se reconectarem uns com os outros e assim reconquistar seu mundo e, com ele, suas vidas. É mais fácil falar, porém, do que fazer.
Michele nos conduz pela trama. Desde seu acordar no bunker, sabemos tanto quanto ela sobre a presente ameaça externa ou as motivações dos outros dois personagens. Compartilhamos com ela o medo e a ansiedade enquanto tentamos juntos descobrir mais sobre este novo universo. Como ser grata pelo salvamento se não se sabe o que está lá fora? Como não desconfiar do salvador que se mostra instável e pouco confiável? A ideia de salvamento começa a parecer mais e mais duvidosa na medida em que a paranoia de Howard vai se tornando perigosa na medida em que a sensação de segurança não corresponde à segurança real, uma questão em si urgente.