Heitor Dhalia passou um tempo em Hollywood e, pelo jeito, tirou mais deles, em conhecimento ao menos, do que se esperava pelo suspense “12 Horas”. “Serra Pelada” aprende a ser cinematográfico – hollywoodiano, se preferir – sem abrir mão do comentário social, tão caro ao (bom) cinema nacional. A esperteza está em usar o ambiente hostil junto do pano de fundo histórico, os últimos anos da Ditadura Militar, para fazer um filme que alterna entre o faroeste e o gângster.
O fio condutor da trama é a amizade entre Juliano e Joaquim, interpretados por Juliano Cazarré e Júlio Andrade. Os dois, com seus motivos particulares, resolvem ir juntos para a mítica Serra Pelada para enriquecer. Isso no começo dos anos 80, auge da febre do ouro brasileira. Enquanto o primeiro não se preocupa em vender sua alma para ganhar mais e mais dinheiro e poder, o segundo luta para manter a civilidade em um ambiente mais e mais animalizado.
A coisa do faroeste surge quase óbvia, quando se para para pensar. Serra Pelada encarna a mesma corrida do ouro que motivou a `conquista do oeste` dos EUA, palco dos banque-banques. E com essa estrutura, mostrando a escalada de violência e desprezo pela vida humana de Juliano que, aos poucos, vai deixando de apenas se defender e parte para o ataque, a consequência direta, do ponto de vista de narrativa cinematográfica, é um filme de máfia. É quando ele acaba se tornando a versão tupiniquim de “Scarface”.
Todos os elementos estão lá. O chefão, Carvalho, e sua namorada que precisará ser tomada para validar simbolicamente a dominação – papéis de Matheus Nachtergaele e Sophie Charlote. O que, claro, começa a contribuir para sua alienação e paranoia, que só crescem. É quando entra em cena Lindo Rico, interpretado por Wagner Moura, condutor final dos dois rumo ao inferno (e que, curiosamente, lembra muito a caracterização do Sean Penn em “O Pagamento Final”).
“Serra Pelada” está um nível acima da média dos filmes brasileiros, que pecam, em geral, por não conseguirem superar o teatro ou a TV do ponto de vista da linguagem. Aqui encontramos cinema que quer ser cinema, pensado para ser cinema, que é coisa rara. O que implica em boa fotografia, bons enquadramentos, boa edição (especialmente em relação ao resgate de imagens do começo dos anos 80) e boa direção de atores.
Este último quesito é até discutível, considerando o quilate do elenco. Cazarré, por exemplo, vem mostrando ser um ator de cada vez mais recursos, além de ser bom para o público brasileiro vê-lo em um personagem de destaque que não seja um homem infantilizado, como em “Som e Fúria” ou “Avenida Brasil”. O resto do elenco não surpreende na medida em que entregam a excelência que lhes é esperada. Fora Sophie, de quem se esperava ser mero adereço de cena, mas acaba se destacando com alguma graça.
Com todas essas qualidades, é de se estranhar que Dhalia resolva cair na armadilha de insistir em diálogos expositivos, ou na narração que reforça o que estamos vendo claramente em cena. Pode ser apenas uma herança maldita de “Tropa de Elite” – insistência de um produtor com medo das pessoas não entenderem o que está acontecendo -, mas fica parecendo recurso de um cineasta iniciante, que ainda não tem muita certeza de que sua mensagem será adequadamente compreendida. Mas a questão é que Dhalia é tudo, menos um iniciante nervoso.
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Publicado originalmente no Portal POP.