“A Origem dos Guardiões” mostra um outro lado das fábulas clássicas

“A Origem dos Guardiões” mostra um outro lado das fábulas clássicas

A ideia é bem boa. Colocar algumas das figuras mais facilmente reconhecíveis da cultura ocidental para enfrentar uma batalha pela fé (e sanidade mental) das crianças. Claro, por facilmente reconhecíveis, eu estou falando de Europa e EUA. Mas como crescemos sob profunda influência cultural, para não dizer “dominação”, são poucos os elementos que carecem de uma maior explicação.

Vamos aos fatos:

Em “A Origem dos Guardiões”, um antigo mal está à solta. Esse mal é conhecido por aqui como Bicho Papão, um ser das sombras que fomenta e se alimenta do medo das crianças. Por conta disso, não apenas os guardiões, Papai Noel, Fada dos Dentes, Coelho da Páscoa e Sandman, precisam se reunir, como precisam da ajuda do jovem e hesitante Jack Frost. A jornada então segue o clichê do grupo que precisa aprender a trabalhar com o novato, ao mesmo tempo em que este precisa aprender sobre si mesmo antes de se encaixar. É um filme, afinal, sobre compreender seu lugar no mundo.

Entre os Guardiões, dois devem fazer a cabeça de algumas crianças coçarem em dúvida: Sandman e Jack Frost. O primeiro é o ‘homem de areia’ ou ‘João Pestana’, em outras traduções menos literais. A origem do mito é por conta da sensação arenosa que os olhos têm quando estamos com sono. Aqui sua função é de guardião dos sonhos. Frost, por sua vez, é o espírito do inverno, que traz as neves e os gelo. Ele é retratado como um espírito brincalhão muito pelo fato das pessoas escorregarem muito no gelo. Mas como o Brasil não tem invernos rigorosos, ele não aparece por aqui, o que pode comprometer a fruição, especialmente entre os mais novos, já que parte da graça do filme está na reimaginação dessas figuras.

Papai Noel (Norte, para os íntimos) é um guerreiro cossaco, com espadas e tudo mais, além de tatuagens nos antebraços escritos “bons” e “Maus”, além de contar com uma equipe de Yetis. O Coelhinho da Páscoa é chamado de Coelhão, tem um metro e oitenta, maneja bumerangues e corre o mundo através de túneis. A Fada dos Dentes é uma espécie de beija-flor superdesenvolvido, com um exército de outros pequenos beija-flores. E se o Sandman não é tão ameaçador, apesar de parecer ser um dos mais poderosos, talvez seja mais para fugir da interpretação de Neil Gaiman para os quadrinhos de mesmo nome.

Ainda assim, a iconografia é ótima, além de dialogar muito bem com a narrativa e design de produção. Como cada passo de Jack Frost, que vai congelando o chão a seus pés, ou o fato de Sandman ser mudo e se expressar por sinais de areia por sobre sua cabeça, ou ainda o fato de ter uma cama quebrada por sobre o esconderijo do Bicho Papão (porque ele aterroriza crianças com medo do que está por debaixo de suas camas). Tudo isso aliado a um 3D que, se não acrescenta muito, é bem feito. Ainda assim, fica a sensação de que as cenas de ação acabam um bocado potencializadas pelo efeito tridimensional.

Estruturalmente, o filme não traz nenhuma novidade. Especialmente em relação a outras animações. O que não quer dizer que não funcione. Pelo contrário, funciona e muito bem, mesmo que já saibamos o que irá acontecer. E, se você deixar alguns preconceitos de lado, pode até se surpreender emocionado com o arco final da narrativa.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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