“A Separação”

“A Separação” faz jus aos prêmios que tem recebido

O cinema iraniano já não é mais novidade para o ocidente. Desde os delicados dramas de “Filhos do Paraíso” e “A Cor do Paraíso”, ambos de Majid Majidi, até os mais experimentais (na falta de uma palavra melhor), de Abbas Kiarostami e Mohsen Makhmalbaf, entre tantos outros. Por isso, quando um filme iraniano chama atenção hoje, já não é mais pelo exotismo, considerando que já há, lá, uma cultura, uma escola de cinema. Daí a força de “A Separação”, de Asghar Farhadi.

A história é simples: o casal Nader e Simin estão se separando. Tudo porque ele se recusa a sair do Irã por não poder deixar seu pai, que sofre do mal de Alzheimer, sozinho. Ela não aceita, por enxergar na viagem uma chance de mudar de vida, e decide se separar para ir sozinha, deixando Nader e a filha adolescente Termeh para trás com o avô.

Nader então contrata Razieh, para cuidar de seu pai enquanto ele trabalha no banco. Ela é muçulmana fundamentalista, chegando a ligar para um serviço de disk-pecado para saber se seria errado ela limpar o velho que havia se urinado. Desde o primeiro dia de trabalho fica clara a relação conflituosa entre Nader e Razieh, até que chega ao ponto do enfrentamento, cujas consequências, e consequências das consequências, serão desastrosas.

Cada trama se desdobra em outra mais intrincada e mais problemática. Com os personagens mergulhando de cabeça em seus próprios problemas, todos motivados por questões imateriais e inatingíveis como ‘fé’, ‘orgulho’ ou ‘mau gênio’. Disso se desdobram relações de culpa e de enfrentamento entre essas figuras.

A ideia de ‘separação’, como conceito maior do que o simples divórcio do casal, é reforçada, tanto pela narrativa, ao opor o casal de classe média instruída (Nader é bancário e Simin é professora universitária), ao casal pobre, quanto pelas imagens. Não são poucas as cenas em que vemos os personagens divididos, ou separados por grades, ou vidros.

É um clichê irritante em textos sobre cinema, contrapor os filmes orientais à produção norte-americana. Mas, ao mesmo tempo, não há como passar incólume pela experiência de ver um filme que não toma o expectador por tolo. As características dos personagens, bem como as relações entre eles, dificilmente são faladas. Ao contrário, são demonstradas através de pequenos gestos ou detalhes narrativos. Como a Simin, que pinta o cabelo de vermelho, em um ato de ‘rebeldia’ contra o moralismo, talvez. Ou Razieh que quando acuada se abraça ao seu xador, encontrando refúgio nas certezas de sua fé.

O embate resultante é claro: o Irã secular e progressista que luta para sobreviver dentro de um Irã cada vez mais burocrático e fundamentalista. Se parece, a primeira vista, que é uma questão alienígena por se tratar de um país muçulmano do Oriente Médio, talvez seja uma questão de olhar novamente para o mundo à nossa volta.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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