Apego ao livro torna “Um Conto do Destino” doce demais

Um Conto do Destino

É de se espantar que a mesma pessoa que ganhou um Oscar de Melhor Roteiro Adaptado por “Uma Mente Brilhante” cometa uma falha tão básica neste “Um Conto do Destino”. A maior parte dos problemas do filme existem pela incapacidade de Akiva Goldsman, roteirista premiado e ainda que estreante na direção de longas, perceber que alguns diálogos e situações que são perfeitamente possíveis no papel, não se traduzem bem no cinema.

O filme acompanha Peter Lake, vivido por um desmotivado Colin Farrell. Ele é um mecânico que virou ladrão na Nova York do final do século XIX. Perseguido pelos seus antigos sócios – que têm motivações bem mais sórdidas do que demonstram em um primeiro momento -, ele decide invadir uma mansão para um último golpe. Mas é lá que ele conhece Beverly Penn, vivida por Jessica Brown Findlay. Paixão fulminante, à primeira vista. A situação já seria ruim o suficiente por si só. Mas, para piorar, ela está doente, já em seus últimos dias.

Por trás disso, há um subtexto fantástico, como logo ficamos sabendo. É o que dá margem para o lado prosa-poética do filme, tirado diretamente do livro. E é até estranho que o veio condutor da narrativa, a espinha dorsal, seja, justamente, o que não funciona nele. Porque a reflexão sobre como cada pessoa possui um milagre dentro de si e como isso conta pontos na luta entre o bem e o mal (literalmente, no caso da trama), não se encaixam bem com o resto da trama.

Isso acontece, em parte, por conta da quantidade de tempo de tela gasto com Peter e Beverly ficando juntos. Sobra bem pouco espaço para desenvolver o lado fantástico do filme. Por isso que nunca chegamos a entender direito qual é o papel dos anjos e demônios. Ou mesmo por que todo mundo parece saber sobre isso, exceto as partes mais interessadas no assunto? Ou ainda por que ninguém conta nada para eles diretamente? Ou, talvez o pior de tudo, de onde Russell Crowe tirou aquele sotaque bizarro e o que seu corte de cabelo tem a ver com sua identidade demoníaca?

O resultado é frouxo, ainda que renda algumas cenas bonitas, em que Goldsman abusa do lens flare (aquele efeito de jogar a luz direto na lente da câmera, criando uma atmosfera meio etérea) para demonstrar que há mais no mundo do que os olhos podem ver. Claro que isso é destruído pela insistência dele em colocar algum personagem dizendo exatamente isso ao mesmo tempo em que a música aumenta o volume nos informando que, opa, é hora de ficar emocionado. Mas, infelizmente, não estamos suficientemente comprometidos com a trama para que isso aconteça.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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