O Senhor Peabody é um cachorro. Uma das criaturas mais inteligentes do mundo, mas ainda um cachorro. Ele consegue adotar uma criança, Sherman – em uma sequência de trás para frente que é tão brilhante quanto apropriada (porque, como aprendemos em “Doctor Who”, a vida nem sempre passa na ordem direta para viajantes do tempo. Mas já chegamos nisso). Para reforçar a educação eles navegam através dos grandes acontecimentos da história, o que é tão instrutivo quanto perigoso, como a sequência de abertura deixa bem claro. Ainda assim, eles nunca enfrentaram nada como o primeiro dia na escola do jovem garoto.
Isso porque Sherman é um garoto criado por um cachorro. Alvo fácil para Penny, uma encrequeira, acostumada a ser o centro das atenções, que, movida por ciúme e egoísmo, ataca diretamente o pobre menino. A coisa piora quando ela duvida dele, o que leva a uma desventura pelo tempo e pelo espaço, motivada parte por preocupação exacerbada do Senhor Peabody, parte pelo bizarro vício em adrenalina de Penny e parte pela falta de confiança em si de Sherman.
E nisso ficam os temas centrais do filme que, como toda animação, toma o lugar das fábulas na cultura ensinando as lições para as novas gerações – ainda que, aqui, os pais zelosos demais não sejam poupados de aprender algo. Mas o que está no cerne é a discussão sobre bullying. Afinal, Sherman não é diferente de crianças criadas por dois pais, ou duas mães – para ficar no exemplo óbvio e urgente. O que o filme postula é que em um lar onde há amor, não há espaço para intolerância.
Mas é claro que tudo isso vem em uma embalagem muito própria. O ritmo é frenético – e, talvez, até um pouco demais para crianças mais novinhas -, já bem marcado na primeira sequência, que mostra, superficialmente, a natureza da relação entre os dois, que culmina em uma ótima fuga dos primeiros momentos do Reino do Terror na França Revolucionária, que também já dá a cara do filme: a curiosidade inocente e atrapalhada de Sherman os coloca em uma enrascada que é solucionada pelo cérebro analítico e conhecimentos científicos profundos de Peabody – no que provo que a menção a “Doctor Who” do primeiro parágrafo se revela mais profunda do que em relação com viagens no tempo e gravatas borboleta.
Aos adultos, além da lição (“não proteja demais seus filhos, eles precisam aprender a se virar sozinhos”), resta uma miríade de brincadeiras com fatos conhecidos da história da humanidade. Isso porque as aventuras os levam ao Egito antigo, à Grécia da Guerra de Troia, ao Renascimento Europeu de Leonardo DaVinci – e suas tentativas fúteis de fazer Mona Lisa sorrir. Mas tudo dentro do que as crianças conseguem assimilar ou se relacionar. O que faz com que “As Aventuras de Peabody e Sherman” alcancem aquele limbo mítico das animações feitas para as crianças, mas que também conseguem divertir os pais (se revertendo na venda do dobro de ingressos).
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Publicado originalmente no Portal POP.
[…] quem nunca tinha feito uma dublagem de animação na vida, assumir a voz do Peabody, de “As Aventuras de Peabody e Sherman” deve ter sido um belo desafio para Alexandre Borges. Isso porque o personagem não apenas usa um […]