“RoboCop” de José Padilha aponta para outro inimigo

RoboCop

A maioria das pessoas que abre para ler um texto sobre o novo “RoboCop”, o dirigido pelo brasileiro José Padilha, está, nem que secretamente, querendo saber o seguinte: “é ou não melhor que o do Paul Verhoeven?” A resposta simples é não, não é melhor. Mas a resposta complicada é que não é melhor porque, ainda que partam de uma mesma premissa, são filmes que querem dizer coisas distintas, para audiências distintas, em tempos distintos. E saber exatamente qual é sua mensagem é a grande força dessa nova versão, já que é isso que justifica, para começo de conversa, a existência dela.

Quem assume as partes robóticas de Alex Murphy é Joel Kinnaman. Assim como na primeira versão, ele tem seu corpo comprometido e acaba voltando à vida como o RoboCop. Mas dessa vez ele não é o símbolo de uma sociedade que acredita que apenas um messias pode lhe dar paz e segurança e um futuro em apocalipse contínuo. Ele é agora ferramenta da necessidade de mercado da OminiCorp, subsidiária da famigerada OCP. Eles precisam colocar um homem dentro de uma máquina para dobrar a opinião pública americana em relação ao uso de drones no combate ao crime – daí a função de Samuel L. Jackson como uma espécie de Datena americano, vociferando contra a violência e criminalidade, sem nunca se preocupar com suas causas.

Mas a união entre homem e máquina não é perfeita. E parte do problema é que ele não é tão eficiente em matar quanto um drone, mas, também, tem suas limitações como ser humano. Parte do trabalho do Dr. Dennett Norton, vivido por Gary Oldman, é achar essa afinação, que vai ultrapassar o limite ético. E, logo fica claro que, quanto menos humano, mais eficiente. Daí vem a (frágil) reflexão filosófico-existencialista do filme: o que nos torna humanos, afinal? Que é ligado diretamente à família de Murphy, que segue tentando se conectar com ele, afundado na programação.

Todo esse enredo é a desculpa de Padilha para discutir a questão da vigilância e dos direitos humanos. A taxa de criminalidade cai com a presença do RoboCop na cidade. Mas qual o preço? A falta de liberdade de escolha de Alex Murphy, seu lado humano, simboliza diretamente o que precisamos sacrificar, enquanto sociedade, para esse bem estar imposto. E não é paz verdadeira, se não temos escolha, apenas sua ilusão, postula o filme. A mão que tira a vida, independente da forma, é humana – a metáfora é menos forçada do que parece, inclusive.

Tudo o que está em torno desse discurso, e é exatamente o que há de condenável, são concessões. Em especial ao estúdio, que precisa de um filme cheio de cenas de ação, com um núcleo familiar sólido e um personagem central cujos dramas nós podemos nos relacionar hoje. É por isso que este RoboCop salta, corre e encara desafios. É por isso também que precisamos suportar a pieguice de seu drama familiar – ainda que totalmente legítimo. E, por fim, é por isso que este RoboCop é mais frágil. Menos à prova de balas.

Padilha sabe que está fazendo um remake de um clássico adorado. E mostrar a armadura original, ou colocar a trilha, é apenas ele dizendo “eu sei que existe o original, mas estou querendo fazer outra coisa aqui”, como quem pisca um olho para o público. Apenas por esse gesto, ele já merece o crédito da ponderação por sua mensagem. Se há espaço para discussão, depende do espectador.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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