Batsemana especial, parte 4 – como Nolan operou um milagre nos cinemas

Batsemana especial, parte 4 – como Nolan operou um milagre nos cinemas

Entre 1997, lançamento de “Batman e Robin”, e o início dos anos 2000, muitas ideias para um novo “Batman” foram levantadas e acabaram caindo em esquecimento. Até que a Warner resolveu colocar à frente da produção um jovem diretor chamado Christopher Nolan, que havia chamado bastante atenção para si depois de ter filmado “Amnésia”, um dos grandes filmes dos anos 2000.

Claro que ele começou meio desacreditado. O histórico de filmes-do-batman não era muito animador. Ainda que os quatro longas anteriores tenham lá seus méritos, o resultado geral era meio duvidoso. Aí Nolan escalou o relativamente desconhecido Christian Bale para vestir o manto do morcego. As pessoas que tinham visto apenas “Reino de Fogo” já ficaram preocupadas (mas era um alívio saber que ele ao menos malhava). As que tinham visto “Psicopata Americano” e “Equilibrium” sabiam que ele tinha alguns truques sob a manga – isso para nem falar em “O Operário”.

Assim surgiu “Batman Begins”, nascido do esforço de Nolan, ao lado de David S. Goyer, de pensar duas coisas: A primeira é “o que leva alguém a se vestir de morcego e fazer justiça com as próprias mãos?”. A segunda é “como ele faria isso da forma mais eficiente e realista possível?”. A motivação de Bruce Wayne, o profundo trauma, o treinamento no exílio, os primeiros erros, o investimento em tecnologia e proteção. Tudo foi pensado por Nolan de forma tão orgânica que até mesmo as orelhas da máscara/capacete ganham um função específica.

Uma série de perguntas acaba respondida. “Como ele consegue comprar máscaras de morcego sem ninguém perceber?”, encomendando várias quantidades de partes isoladas, via fornecedores diferentes. “Como ele montou a batcaverna?”, aproveitando o incêndio do final do primeiro filme para fazer isso. Com isso, Nolan acabou criando um universo tão coeso e crível, que não dava espaço para o espectador ter que creditar coisas à fantasia. E, se até o espectador mais exigente segue firme em seu pacto de confiança com o filme (que pode ser quebrado quando algo muito absurdo acontece), a chance de sucesso é enorme.

Além do planejamento, a execução: desde a edição mais do que esperta e simbólica, especialmente em relação aos flashbacks da primeira metade, até a primeira aparição ‘oficial’ do Batman (todo do ponto de vista dos traficantes, filmado como um thriller de terror), passando pela fotografia e cenários de Gotham. Tudo usado para melhor contar a história.

Mas quem brilha mesmo aqui é Bale, entregando, no final das contas, três personagens completamente diferentes. O primeiro, e mais óbvio, é o próprio Batman, com seus trejeitos ameaçadores e voz disfarçada, quase caricatural. O outro é o playboy Bruce Wayne, que anda com modelos, carros de luxo e está sempre com um sorriso, criado e mantido para afastar qualquer tipo de suspeita do povo. E o terceiro é o Bruce Wayne real, o que vive nesse limiar de trevas e luz, amargurado pela tragédia e que busca redenção através de seus atos.

E quando se pensava que “Batman Begins” já tinha estabelecido um nível inalcançável, Nolan voltou com tudo em “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, em 2008 (dando tempo para ele fazer uma pequena obra-prima no meio do caminho: “O Grande Truque”, até hoje, seu melhor filme). Não é que o primeiro filme não tivessem bons atores para fazer um contraponto a Bale. Mas Heath Ledger como o Coringa e Aaron Eckhart como Harvey Dent/Duas Caras foram simplesmente insuperáveis (até que alguém faça melhor em um futuro próximo, é claro). A interpretação de Ledger, então, já foi tão comentada que a sensação é que seria impossível para mim escrever alguma coisa aqui que já não tenha sido dita à exaustão.

O universo do Cruzado de Capa já estava perfeitamente estabelecido depois de “Begins”, então não havia necessidade de fazer o filme ir pegando embalo aos poucos. Muito pelo contrário – já começamos com uma cena de roubo vertiginosa, mostrando o quanto o Coringa é genial e maligno ao mesmo tempo. Ainda assim, foram produzidas uma série de diferentes curtas animados, chamados “O Cavaleiro de Gothan”, dirigidos por diferentes animadores, contando histórias, em geral, passadas entre um filme e outro. Alguns personagens, como a policial Ramirez, é apresentada ali (é o jeito de Nolan dizer: “preste atenção nela”).

Outro ponto forte dos dois primeiros filmes do Nolan está na ligação com os quadrinhos. Ainda que não sejam adaptações diretas. “Begins” é profundamente inspirado em “Batman – Ano Um”, enquanto “O Cavaleiro das Trevas” busca inspiração em “O Longo Dia Das Bruxas”, misturado com “A Piada Mortal”. Todos esses são quadrinhos obrigatórios para qualquer um que queira entender a mitologia do Batman e sua relação com alguns dos seus principais inimigos.

Para terminar, a citação menos favorita dos fãs de “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, afinal, todos apenas repetem os bordões do Coringa. Ao final do filme, o já Comissário Gordon nos lembra que Batman podia não ser o herói que Gotham merece, mas sim o que necessita. Da mesma forma são os filmes de Nolan, que ajudaram a sedimentar o ‘filme de herói mascarado’ como uma alternativa para o público adulto. Não é à toa que o fim da trilogia, “Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge”, chame tanta atenção assim.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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