“Crô: O Filme” faz mistura bizarra de comédia e denúncia social

É um desafio maior do que parece levar um personagem secundário, por mais popular que seja, da TV para os cinemas. Eles, normalmente, se tornam notórios pela coleção de trejeitos e bordões que apresentam em cena, de forma homeopática, ao longo da novela. Não precisam nem mesmo aparecer em todo episódio. O que não quer dizer que eles conseguiriam sustentar um filme inteiro.

Felizmente para os fãs, Aguinaldo Silva, o roteirista, dá um jeito de escapar dessa armadilha ao alternar a trama de Crô, novamente interpretado por Marcelo Serrado, com uma subtrama socialmente consciente. Curiosamente, este é o maior ranço que o autor traz de seus mais de 30 anos dedicados à novelas – mais até do que os famigerados diálogos expositivos. O que não quer dizer que o filme se sustente muito bem só por causa disso, afinal, as duas tramas paralelas não se conectam de forma harmoniosa.

Crô terminou sua saga na novela “Fina Estampa”, também escrita por Silva, recebendo uma herança polpuda de sua patroa. Ele então se dedica a fracassar miseravelmente em diversos estereótipos gays, como cabelereiro, crooner e estilista. Só aí ele descobre que para se sentir preenchido – em uma cena de sonho em que somos apresentados ao Benjamin Button do Mundo Bizarro – precisará se dedicar à vida de mordomo de madame.

Paralelamente acompanhamos o drama da pequena Paloma e sua mãe, imigrantes bolivianas ilegais que vão parar na fábrica de roupas clandestina de Vanusa e Riquelme, vividos por Carolina Ferraz e Milhen Cortaz. Ela quer ascender socialmente e busca isso em Crô, que começa a fazer uma seleção de prováveis patroas – que é, disparado, a melhor sequência do filme. E é esse fiapo de desculpa que liga as duas tramas paralelas.

A escolha é compreensivel. Há um limite para o quanto se pode assistir da performance de Serrado antes de ficar chato. É preciso algo para quebrar um pouco o ritmo, dado pela afetação e trejeitos que ele emprega em Crô. Mas a desconexão entre o humor leve e descompromissado da busca de Crô por uma patroa e de imigrantes bolivianas sofrendo física e mentalmente nas mãos de uma alpinista social sem escrúpulos é patente. A mistura deixa um gosto amargo na boca, ao invés do sorriso esperado.

Isso acontece, talvez, pela forma com que Silva articula sua narrativa. No fim das contas, é como se ele apertasse os vários meses de novela em pouco mais de uma hora. Daí, sem as dezenas de subtramas que ele teria tempo para explorar na TV, fica mais evidente como a diferença de tom é tão gritante.

A coisa ainda se agrava por ser uma comédia, afinal. Imagine, você, receber uma notícia triste por uma pessoa como Crô? O que era para ser tragicômico se torna patético. Ainda assim Serrado até que segura bem a peteca. Especialmente quando está junto do seu `Gato Zoiudo`, vivido por Alexandre Nero. Tudo dentro da seara dos estereótipos do gay afetado e da tensão sexual com o homofóbico enrustido. Nada de novo, mas rende uma meia dúzia de piadas boas.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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