Discursos inflamados de Jude Law são a alma de “A Recompensa”

A Recompensa

Carece de verificação, mas parece que há um subgênero dentro do cinema inglês que, desde “Cova Rasa”, de 94, busca retratar o Reino Unido (toda a Europa, talvez?) como um lugar que não tem pessoas muito boas. Todas habitantes de um perverso submundo de crime, drogas e violência. Ou que não tiveram acesso às ferramentas e oportunidades para serem melhores. Esse cinema ainda tenta, sem sucesso, superar seu auge, que foi “Trainspotting”, do mesmo Danny Boyle, mas segue com bons exemplos, como “Bronson”, de 2008, “Filth”, do ano passado, e este “A Recompensa”. Ainda que, sejamos justos, de todos os citados neste parágrafo, o tema desta resenha seja, justamente, o que mais tenha defeitos interentes.

O filme acompanha a vida de Dom Hemingway, vivido por Lude Law – com entrega pouco comum em sua carreira – um especialista em abrir cofres que passou os últimos 12 anos na prisão. Quando sai, tudo o que quer é seu merecido prêmio, por ter ficado calado todos esses anos, e ver sua filha, agora adulta, interpretada por Emilia Clarke. Nessa ordem. E, claro, sua vida se torna uma montanha russa, com os altos acontecendo por conta do acaso ou da sorte, e os baixos por sua própria culpa.

É nisso que o enredo se atém: na incapacidade de Dom em manter sua fortuna (no sentido mais amplo). O que significa, em geral, sua incapacidade de manter sua boca fechada. E, no fundo, são sempre esses os melhores momentos do filme. Os discursos inflamados de Dom. Já começa assim, na cena inicial, com ele olhando para câmera, declamando uma ode ao seu próprio pênis, enquanto recebe uma sessão de sexo oral. É uma pena que ápice venha cedo demais e o melhor dos monólogos – o que ele exige seu dinheiro, mais juros e um presente, de um dos maiores bandidos da Europa – aconteça antes da primeira metade terminar.

O mundo de Dom é o mundo do excesso. Todas as mulheres, dinheiro, drogas do mundo ainda serão poucas para ele. E isso se reflete, claramente, em seus discursos exagerados, mas também em sua reação ao mundo à sua volta. Dom é uma força da natureza, e o diretor e roteirista, Richard Shepard, deixa isso bem claro ao começar diversas cenas colocando insetos – que nunca pensam em nada além de comida, sexo e sobrevivência – em primeiro plano. Uma metáfora visual simples e óbvia.

Os problemas do filme, inclusive, estão em não abraçar esse lado mas animalesco de Dom de uma forma mais profunda. E isso é representado pela sua preocupação, vacilante e inconstante pela filha. Tão inconstante que dá até para pensar que ela é usada mais como recurso narrativo, uma desculpa para fazer a trama andar, do que como um elemento legítimo. Mas ela também é usada para trazer a redenção final de Dom, o que serviria, em tese, para justificar sua existência. Não fosse a própria necessidade de redenção um tanto leviana – e os filmes citados no primeiro parágrafo estão aí para mostrar isso.

Mas isso fica em segundo plano. Até mesmo o bom elenco de apoio, especialmente Richard E. Grant e Damien Bichir, são ofuscados pela hipérbole de Law e seu Dom Hemingway. E vai ser interessante vê-lo daqui para frente, se esse tipo de entrega, despida de vaidade, se tornar uma constante em seu trabalho.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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