Horror produzido por Guillermo del Toro fica entre o drama familiar e a tragédia

Originalmente, “Mama” era um curta pertubador, também dirigido por Andrés Muschietti. Era um plano-sequência, muito bem construído, que mostrava duas crianças, irmãs, no meio da noite, que precisavam fugir de algo bastante sinistro. A tal Mama. Na verdade, acho que vale a pena assistir ao curta, que começa lá pelos 50 segundos, depois de uma introdução em que Guillermo del Toro diz que ficou tão impressionado com o material que resolveu bancar o longa.

São apenas três falas, em espanhol com legendas em inglês, mas que não é difícil entender mesmo sem compreender o que está sendo dito:

O ponto é que esse curta tinha que virar um longa. Isso envolveria a inclusão de toda uma história dessas duas crianças e sua relação com a tal Mama, que manteria o seu aspecto sobrenatural. Alguns adultos, para que o espectador médio possa se relacionar emocionalmente em diferentes níveis, também não seria má ideia. Quando é repensado para durar mais de uma hora e meia, “Mama” resolve deixar parte de seu terror de lado, abraçando a tragédia, que é tão caro aos grandes contos de horror como “Frankenstein” ou “Drácula”.

Entra em cena a história de duas meninas, uma com pouco menos de um ano, Lily, e outra um pouco mais velha, Victoria, que sobrevivem por cinco anos em uma cabana no meio da floresta graças a um evento trágico. Quando descobertas, já andando de quatro e se alimentando precariamente, depois de um tempo de reabilitação, vão morar com um tio, Lucas, e sua namorada, Annabel, papéis de Nicolaj Coster-Waldau e Jessica Chastain. Sendo ela uma baixista de banda punk, bem pouco interessada em desenvolver espírito maternal.

O ponto é que elas não sobreviveram sozinhas na cabana. E muito menos vão sozinhas para a casa do tio. A tal entidade, que logo nas primeiras cenas se mostra de caráter sobrenatural, é apegada, ciumenta e violenta. E quem paga são os adultos. Victoria, como era mais velha, tem menos problemas para se comunicar e se lembra do tio. O que facilita sua integração. Mas Lily cresceu com Mama e uma não pretende desistir da outra tão facilmente. E as consequências desse apego são mais trágicas do que aterrorizadoras.

O roteiro, escrito por Muschietti, busca dar camadas de subjetividade para todos os personagens (fora, talvez, o psicólogo, muito caricato e que abraça a ideia sobrenatural meio fácil demais). Inclusive para Mama que, de todos, acaba sendo o personagem mais trágico da trama toda.

É possível, com certa razão, argumentar que o filme peca ao mostrar demais Mama, especialmente depois do esforço em escondê-la na primeira metade. Esforço este que é brilhante em determinados momentos, do ponto de vista de montagem cinematográfica. Mas, depois de recriar o plano-sequência de seu curta original, agora completamente resignificado pelo contexto do filme, Mama começa a aparecer muito, eventualmente até como uma má construção de efeitos digitais.

Mas é nesse momento, também, que aprendemos quem é Mama. É como se, quando a compreendemos, ela ganhasse forma, cor e expressão. E não se surpreenda, passados os sustos e apreensões ao longo da projeção, se acabar, se não torcendo, ao menos sentindo um bocado de ternura pelo monstro do filme.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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