É bem mais do que uma piada interna na redação do Portal POP escrever que Will Ferrell é o maior ator vivo. Há um bocado de verdade dura nisso. A concentração com que ele consegue sustentar personagens absolutamente idiotas, fazendo coisas completamente transloucadas, beira o sobre-humano. Em “Tudo Por um Furo”, continuação do seu clássico cult, “O Âncora”, isso é elevado a um novo patamar, com uma sucessão de piadas que mal te dá tempo de respirar. A esperteza está em usar isso para fazer uma bela crítica ao jornalismo.
O fiapo de trama envolve o lendário apresentador de telejornal Ron Burgundy, papel de Ferrell, caindo em desgraça – novamente – até ser chamado para uma nova rede de televisão que usará um modelo ainda inédito no mundo: os ciclos de notícias de 24 horas. Para isso ele precisa reunir seu time, também vindos diretamente do primeiro filme: Brick Tamland, Brian Fantana e Champ Kind, vividos, novamente, por Steve Carell, Paul Rudd e David Koechner. Até seria justo dizer que isso acontece em uma sequência hilária, se não fosse o caso de todo o filme ser uma colagem de sequências hilárias.
O ponto é que eles logo descobrem que, para chegar ao topo de audiência e serem valorizados na rede, precisam fazer algo diferente. E isso significa dar aos americanos as “notícias que eles querem ver e não as que eles precisam ver” – citação quase literal do filme. O que, no universo de Burgundy, implica em tornar as notícias mais e mais estúpidas e menos informativas. E, claro, isso é explorado tanto como ponto de partida para piadas, quanto para apresentar uma bela crítica. E o alvo tem nome: a CNN. Não é por acaso que a rede ficcional se chama GNN, controlada por uma empresa de aviação que derruba matérias sempre que puderem danificar sua imagem.
No momento mais emblemático, a ex-mulher de Burgundy, Veronica Corningstone, interpretada novamente por Christina Applegate, consegue uma entrevista histórica com Yasser Arafat. E simplesmente ninguém assiste porque é mais importante acompanhar pela GNN uma perseguição ao vivo, narrada por Burgundy, que a polícia faz de um carro em uma estrada qualquer americana. A emoção bate a informação fria e quem perde é o público – representado no filme como caipiras, moradores de trailer e bêbados de boteco, sempre que aparecem.
Mas, ainda assim, é uma comédia. E, no caso, uma das melhores dos últimos anos. Ao longo de duas horas de exibição, não há um único minuto que fique sem uma saraivada. A coisa é tão rápida que não é raro perder alguma coisa porque ainda está rindo da piada anterior. Ou pior, se você está rindo de algo que está acontecendo em primeiro plano, dá para afirmar, quase com certeza que está perdendo outra no fundo.
Para isso Adam McKay, diretor e co-roteirista ao lado de Ferrell, lança mão de uma série de subtramas que aparecem e desaparecem quando for conveniente – o universo é absurdo e pouco realista, dando margem para esse pouco compromisso com a coesão. São romances relâmpago e hilários, batalhas épicas ou mesmo a relação de Ron com seu filho – desde já, a criança mais traumatizada da história do cinema.
O resultado não deve agradar a todos. O humor de McKay e Ferrell é muito notadamente norte-americano, resvalando no que é simplesmente bobo. O que é uma pena, já que quem exige piadas mais elaboradas pode simplesmente deixar passar uma das mais mordazes críticas à mídia já feitas nos últimos tempos.
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Publicado originalmente no Portal POP.
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