Locke

Tom Hardy em Locke

A premissa de Locke, um homem que fica fechado dentro de um carro enquanto sua vida desmorona, parece indicar um filme existencialista, recheado de reflexões, ou um suspense, com a vida de um familiar em jogo ao mesmo tempo em que o protagonista está preso no trânsito. Ledo engano. O trabalho pode ser entendido como ambas as coisas ou nenhuma delas. O resultado é, sem dúvidas, um exercício de cinema como pouco se vê.

No filme, escrito e dirigido por Steven Knight, acompanhamos Ivan Locke (Tom Hardy) quase em tempo real do instante em que ele deixa a obra em que trabalha como engenheiro chefe até sua chegada em Londres, o que dá as uma hora e meia de duração. Na manhã seguinte haverá a maior entrega de concreto já feita na Europa para a fundação da construção que ele supervisiona. Mas Ivan não estará lá porque uma mulher está prestes a dar à luz seu filho, fruto de uma relação fora do feliz casamento de quase 20 anos.

A tensão da trama se balanceia com Locke tentando equilibrar esses vários aspectos. Ao mesmo tempo em que tranquiliza seu superior, coordena um subordinado direto durante as checagens para o recebimento da obra, também junta coragem para contar tudo para a esposa, conversa com os filhos sobre o importante jogo de futebol e ainda lida com a amante que está sozinha e aterrorizada.

No centro disso tudo está o próprio Locke que, como se já não bastasse, ainda busca lidar com os próprios demônios e a sombra do pai. O personagem é a maior vítima do brutal individualismo de nossos tempos, já que nenhuma das pessoas com quem mantém contato parece estar interessada no que ele está sofrendo. Quanto mais no sofrimento alheio.

Mas como somos Ivan Locke, já que é ele quem nos conduz pela trama, o filme se torna uma experiência brutal. Ficar no meio desse emaranhado, tentando dar conta da frustração, da carência, da incompreensão, da incompetência e da mesquinhez alheia é exaustante. Os únicos alívios que o filme traz são pequenas explosões do protagonista, que grita e golpeia o volante do carro. Mas só quando não há ninguém ligando ou lhe pedindo atenção. Aí ele retorna para sua voz calma e compreensiva.

As câmeras de Kinight, que fundem as imagens de Ivan com a estrada, aliadas ao roteiro que não nos deixa respirar, são boa parte do que faz Locke funcionar. Mas sem o trabalho de Hardy o filme simplesmente não funcionaria. Ele cria um personagem que parece estar no limiar de suas forças, buscando uma interpretação minimalista e eficiente. Note como a calma de sua voz oculta uma profunda tensão, só revelada pelos seus trejeitos nervosos (ele pucha a sua barba e meche o cabelo quase compulsivamente) e, claro, pelas explosões de fúria já mencionadas. É um trabalho de gênio.

Locke, no fundo, é um exercício de estilo que transborda para fora de si mesmo. O filme nasce com a premissa do confinamento do personagem e da tentativa (com sucesso) de prender a atenção do expectador com tensão narrativa em oposição aos malabarismos e pirotecnias do cinema comercial. É mais que isso, porém. Muito mais.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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