“O Conselheiro do Crime” soterra a trama em diálogos quase surreais

O elementos dos melhores thrillers criminais estão todos lá. Ganância, trapaças, personagens de moral dúbia, tiroteios, assassinatos elaborados, mergulho no lado sombrio, arrogância e desespero. Mas “O Conselheiro do Crime” – péssima tradução para “Counselor”, que significa, pura e simplesmente, advogado – não deixa essas coisas em primeiro plano. O que fica escancarado são diálogos que oscilam entre o existencial e o alegórico. Nunca são expositivos – ou, mesmo quando são, apenas se revelam como tal várias cenas adiante. Isso não facilita a vida de quem assiste.

O foco é no tal advogado, que não tem nome próprio, vivido por Michael Fassbender. Ao contrário do que o título nacional indica, ele é aconselhado o tempo todo para sua primeira empreitada no mundo do crime. Tudo para financiar sua vida ao lado da mulher, a exuberante Penelope Cruz, e um empreendimento junto de seu amigo, vivido por Javier Bardem, que, por sua vez, também mantém uma vida de luxo com a personagem de Cameron Diaz, tão sensual e perigosa quanto seus felinos de estimação (aproximação escancarada pela tatuagem que ela ostenta nas costas).

E tudo vai bem até que vai mal. O advogado pensa que pode só colocar o pé na água, para ver se a temperatura está boa. Pensa que pode sair da vida de crimes sem manchas. Sorri o tempo todo e se sente mais esperto do que as pessoas com quem conversa. Mas as coisas começam a dar errado e a primeira coisa que cai é a auto-imagem que tem de si. E é aí que o filme fica mais interessante.

A edição acelera e a trama vai se fechando. Depois do circo armado, a verdadeira natureza dos personagens começa a ser revelada. O que pensávamos ser os jogadores centrais não passam de peões. E vice-versa.

O problema é que esses elementos, essa investigação da alma humana, do ponto de vista da podridão, só está lá no limite em que temos interesse em procurá-la. São camadas e camadas de diálogos, que são desferidos, sem nos dar tempo para os digerir. E como eles dificilmente falam objetivamente sobre o que acontece em cena, o resultado é confusão. De nossa parte.

É difícil saber se isso acontece por conta do roteiro de Cormac McCarthy, escritor de clássicos-que-viraram-filme, como “A Estrada” e “Onde os Fracos Não Têm Vez”, estreando na função, ou da inabilidade do diretor Riddley Scott de buscar dar sentido imagético para os diálogos pesados – coisa que, em sendo ele já tão experiente, não deveria acontecer, mas, vá lá, ninguém é imune à erros.

Elementos das obsessões de McCarthy estão presentes. Os diferentes graus de cinza da moral humana, a vida na fronteira EUA-México, os personagens fortes e uma novidade: mulheres de fibra, coisa rara em seu universo quase exclusivamente masculino. Mas, ao trocar o silêncio amargurado pelo excesso de diálogos, o escritor cria mais confusão que tensão.

O ponto é que “O Conselheiro do Crime” talvez não busque facilitar mesmo para ninguém.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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