“O Homem de Aço” mostra os conflitos de ser Superman

É possível que o grande acerto de “O Homem de Aço” envolva um profundo aprendizado do erro central de “Lanterna Verde”: dar super-poderes para a pior pessoa possível. Imagine que o capitão do time de futebol americano, o cara que pratica bulling ou um babaca qualquer, além de ter tudo nas mãos ainda ganha poderes cósmicos. Superman não é exatamente o cara que pratica bulling, mas ele é, ao menos, o escoteiro, o filho perfeito. Os poderes mais sublinham sua perfeição do que simbolizam algum tipo de tormento.

A tentativa, então, é a de colocar um bocado de conflitos existenciais na infância e adolescência do pobre Clark Kent. Afinal, super-poderes são uma espécie de recompensa cármica por uma vida de sofrimentos e provações – ou, ao menos, foi isso que aprendemos com os filmes de heróis nos últimos 15 anos. Mas como fazer isso com o Superman, que nasceu com os poderes? Que nunca soube ser diferente do que é?

O jeito – e é bem esperto, do ponto de vista de construção de roteiro e personagem – foi colocar sua própria condição como a fonte dos problemas. Passar a vida suprimindo sua força, com medo de machucar as pessoas, ou evitar machucar algumas pessoas que realmente parece que merecem, ou todo o tipo de perturbação trazida pelos super-sentidos, entre um sem-número de chateações (e eu realmente acho que ele, ainda bebê, deve ter quebrado algumas costelas ou mesmo braços de seus pais, involuntariamente, claro), não é exatamente uma vida fácil. Fora a decisão de não agir em determinada situação e assim revelar seu segredo.

E se isso não for o suficiente, ele é um E.T. Extraterrestre. Alien. Ou, mais poeticamente, como seu pai adotivo o chama: “a resposta para a grande pergunta: estamos sozinhos no universo?” Mas se toda a raça humana não está sozinha, Clark está. E muito. Como se conectar com as outras pessoas? Como não ser a criança mais estranha da escola? Como não ser um adolescente rejeitado?

A grande força de “O Homem de Aço” é levantar todas essas questões e, mais importante, não dar uma resposta para a maioria delas. É graças à isso que a primeira metade do filme parece tão interessante. Ao recontar a história de origem, com a explosão de Krypton – que ganha traços de disputa racial-genética – e os anos em Smallville, Superman apresenta camadas muito mais profundas e sombrias que simplesmente recontar o drama do escoteirinho, bom moço, que estamos acostumados.

E essa primeira metade não é só lenga-lenga, sem cenas de ação. Muito pelo contrário: todo o drama é alternado com cenas bem empolgantes. Mas aí o General Zod, o Kryptoniano que enfrentou Jor-El, o pai biológico do Superman, aparece, mais ou menos na metade, e a ação ganha ainda uma nova dimensão. É, na verdade, tanta porradaria que pode até cansar um pouco. Mas mesmo isso tem um sentido maior.

Porque quando finalmente aparecem os krytonianos, ele tem alguém em quem pode descarregar completamente toda a fúria que estava encubada dentro de si ao longo daqueles anos (33, em clara referência messiânica). E é por isso, afinal, que ele tem uma chance de encarar de frente, que diz, sem cerimônia, algo como (cito de cabeça): “nasci para ser um soldado, passei a minha vida treinando meus sentidos [sensíveis graças aos poderes que ele só tem na Terra], onde você treinou? Em uma fazenda?”

E, realmente, Superman não teria nenhuma chance, se essa não fosse a primeira, senão a única, possibilidade que ele tem de socar, metaforicamente, todos os valentões, todos os babacas, que cruzaram seu caminho e ele nada pode fazer porque não seria justo.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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