Os Wachowski voltam a falar de seus temas favoritos em “A Viagem”

Antes de começar a sessão da pré-estreia de “A Saga Crepúsculo: Amanhecer – Parte 2” foi exibido o trailer de “A Viagem”. Seis minutos de um passeio onírico pelos diferentes tempos e personagens buscando apresentar a trama e seus desdobramentos através da bela fotografia, de forma que o espectador médio não se sentisse acuado pela narrativa potencialmente complexa. Ao final da prévia, quando o narrador brasileiro anuncia, em sua voz gutural, “A Viagem”, um rapaz em uma fileira atrás de mim, provavelmente de mau humor por estar acompanhando a namorada para ver “Crepúsculo” em uma sessão que começava à meia-noite, completou em tom jocoso: “na maionese”.

Ali se dava a pá de cal para o filme, mesmo antes de estrear. A narrativa elegante e soluções estéticas ousadas dos irmãos Wachowski, aqui se dividindo com o alemão Tom Tykwer na direção, não iriam chegar ao grande público que, antes de pisar no cinema já o sentenciava como “cabeça”, “difícil” ou outra dessas formas de chamar de chato. Uma pena, porque não é esse o defeito de “A Viagem”. O defeito é que ele não é tão grandioso e empolgante quanto seus criadores querem ou acham que ele seja. O que não quer dizer que seja ruim.

Os Wachowski fizeram um trabalho hercúleo de transformar o livro de David Mitchell em um roteiro coeso. Para isso fizeram com que os mesmo atores interpretassem diferentes personagens nos seis recortes temporais do filme, dando uma ideia de que as almas vão se transformando e evoluindo ao longo de suas vidas. Exemplo mais óbvio é o dos papéis de Tom Hanks, que começa como um médico cheio de segundas intenções e termina como um selvagem que busca defender sua família em um futuro pós-apocalíptico, passando por um físico preocupado com as consequências de seu trabalho e um escritor de pavio curto.

Ainda assim algumas almas se mantêm inalteradas representando, de alguma forma, o mal encarnado, ou o mal inerente à sociedade humana. Em todas as narrativas, são representados pelos personagens interpretados por Hugo Weaving e Hugh Grant. Nesse ponto que a gente entende não apenas sobre o que o filme é realmente e o que atraiu os Wachowski nessa história. Porque a coisa das almas que vão mudando ao longo do tempo é completamente secundária, apesar de ser o principal discurso publicitário do filme, e, talvez, grande responsável por afugentar o público (ninguém se anima ver um filme que diz a toda hora: “não é tão complicado quanto parece”).

“A Viagem” é sobre como a sociedade oprime o indivíduo e sobre como é difícil fazer algo quanto a isso. E mais: sobre como é preciso escolher entre se rebelar e se conformar, para o bem de uma vida, em geral, medíocre. Todas as seis narrativas, que se desdobram umas dentro das outras (mérito do trabalho de roteiro e edição), acabam falando sobre isso. Mas aqui, diferente de “Matrix”, não há um plano de uma sociedade que age nas sombras e conspira contra as pessoas. O ser humano, com todos os seus defeitos inerentes, é o culpado por se sujeitar ao que lhe é imposto. Isso acaba simbolizado na questão do canibalismo, apontado na primeira e nas duas últimas linhas temporais, de forma literal, e nas outras de forma metafórica.

Como em “Matrix”, a aposta é alta e, se não chega a ser enganosa, também não é plenamente recompensadora. Falta fôlego para manter o clima épico o tempo todo, tanto nosso como espectador, quanto do filme. Além de ficar aquele gostinho de que, separadas, cada uma das histórias renderia um filme melhor do que o todo que é “A Viagem”, ainda que fossem filmes sensivelmente menos ambiciosos. Mas talvez (e só talvez) os Wachowski não saibam fazer um filme pequeno.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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