Para Minha Amada Morta

Para Minha Amada Morta

A era da produção intensa de imagens é, em si, a era da profanação. A memória daqueles que se foram nunca está completamente imaculada, podendo ser vilipendiada a qualquer momento caso uma imagem, até então desconhecida, emerja do passado. É o que acontece com Fernando (Fernando Alves Pinto), o protagonista de Para Minha Amada Morta (2015), ao descobrir um VHS em que sua falecida esposa aparece mantendo relações sexuais com um outro homem. A imagem, tão irreal quanto palpável, violenta a memória e assombra os vivos.

Ao apertar o botão de pausa em um VHS a imagem na TV não fica exatamente estática. O resultado é um borrão que pouco lembra a impressão de fatia da vida de quando a fita está em movimento. A confusão fantasmagórica de cores e formas da tela é a materialização da vida de Fernando. A revelação lhe coloca em um estado de animação suspensa, incapaz de seguir em frente assombrado pela mácula na memória da falecida esposa, restando apenas a possibilidade de, ele próprio, assombrar o amante e sua família. O estado de espera dá o tom do filme.

Fernando é um fotógrafo da polícia que, segundo a cunhada, odeia seu trabalho. Seu ofício oferece uma dupla função na história. É tanto uma forma de tornar factível a maneira como ele encontra o amante de sua esposa como também reforça a questão da imagem como centro da trama. Ele tira fotos de cadáveres em cenas de crimes, eternizando a morte como forma de ganhar a vida. Morte, vida e imagem são os temas que estarão sublinhados ao longo de Para Minha Amada Morta.

A câmera do diretor e roteirista Aly Muritiba filma sem afeto, sustentando longos planos preenchidos pelo silêncio pesado da tensão entre os personagens. Fernando habita a casa do ex-amante de sua mulher procurando algum tipo de redenção, de encerramento. O corte ao final de um plano é um alívio, por isso precisa ser evitado. Enquanto está em cena, conversando com Salvador ou sua esposa, Raquel, (Lourinelson Vladmir e Mayana Neiva), estão todos aprisionados neste estado de inércia que é a vida de Fernando.

Através de imagens Muritiba cria expectativas. Assim como Fernando não conhece mais sua esposa, nós também desconhecemos o funcionamento da estrutura narrativa. A arma não dispara, a pá não encontra a nuca do sujeito, o martelo é usado apenas como uma ferramenta, a sedução é abafada pelo rigor cristão. Toda expectativa é frustada, em parte, pela não compreensão de Fernando da natureza de seu drama, o que levaria à vingança. Foi a imagem de sua esposa que foi violada e só através de imagens que ele poderá seguir em frente.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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