Paulo Morelli, diretor de “Entre Nós”, fala sobre cinema, juventude e amadurecimento

Entre Nós

“Entre Nós” é um filme raro no Brasil de 2014. Introspectivo, sensível e bonito. E, talvez mais importante, todo esse efeito planejado. Ao menos é o que parece na fala de Paulo Morelli, co-diretor, que falou um pouco sobre seu trabalho em uma entrevista por telefone.

Como surgiu a ideia do filme?

Surgiu da vontade de fazer um filme com meu filho [Pedro Morelli]. A uns sete, oito anos, ele entrou na faculdade de cinema e a gente falou, “vamos fazer um filme juntos”. E passamos quatro anos procurando essa história que pai e filho poderiam desenvolver juntos. Aliás, fiz uma busca no Google e não encontrei outro caso, talvez exista, mas não encontrei outro filme que tenha sido feito, co-dirigido, por pai e filho. Mas acabou dando tudo certo, fizemos o projeto e aí a gente encontrou… você já viu o filme, né?

Já, já vi sim.

Certo. Então a gente encontrou essa história de cartas enterradas, para abrir 10 anos depois, e a gente percebeu que estávamos falando sobre essa vivência, sobre amadurecimento, sobre entrada na vida adulta, sobre como os sonhos não se realizam de uma maneira não fácil. E também falando sobre amizade. Foi quando a gente percebeu que estávamos falando algo que tem haver com nós dois. De uma geração inteira, com 30 anos de diferença de pai para filho, ficou claro que a passagem de tempo era o tema que nos unia. E falamos, “ok, essa é a história que a gente quer contar.”

O filme varia entre drama e comédia. Como vocês fizeram para afinar esse tom, ou esses diferentes tons?

Acho que uma das coisas que eu mais gosto no filme é que ele trafega por esses três gêneros, vamos dizer assim. Ele é basicamente um drama, sobre amadurecimento, sobre entrada na vida adulta, mas tem comédia e também tem ação, porque é um suspense psicológico. A história principal é a do Felipe [papel de Caio Blat] com todo o drama dele, que roubou o livro e tal. Então a ideia era fazer uma história que se equilibrasse no centro desses três gênero principais. Tenho até pensado que esses três gêneros, a ação a comédia e o drama, são os três gêneros dos quais todos os outros são subgêneros. E a ideia era posicionar o filme no centro disso mesmo. Por isso ele intercala entre cenas de comédia, de drama. Tem gente que relata que se emociona e chora no filme e muita gente fica tensa do começo ao filme. Então esse foi o objetivo mesmo, de conseguir circundar e circular por tudo isso.

Essas coisas parecem que são bem conscientes, até pelo fato do filme falar sobre narrativas também. Como isso funciona enquanto processo?

Foi tudo muito planejado. A ideia foi planejar muito e, ao mesmo tempo, dar muita liberdade. Especialmente para os atores, com improvisos, e buscar essa espontaneidade da fala deles. O exercício é o de fazer essa mistura de, por um lado, muito rigor estético, nas formas, enquadramentos, na linguagem cinematográfica, e mesmo no rigor narrativo, em que cada cena é muito precisa, tem uma função muito clara, e, por outro lado, uma grande espontaneidade na maneira de falar e no comportamento dos atores.

Os dois tempos narrativos do filme são em 92 e 2002. Dois momentos em que o Brasil parecia que `ia dar certo`. O que você quis dizer com isso?

É exatamente isso. É um momento de esperança do Brasil. Como a gente está falando de esperança da juventude e o amadurecer não se realiza como você imaginou, isso tem haver com a chegada da vida adulta, perceber que a vida não é aquele sonho juvenil que se realiza. E a gente situou nesses dois momentos, porque eram momentos de grande esperança do Brasil. Outra coisa que era importante era ter a passagem do milênio, outro momento de esperança, da humanidade inteira estava sonhando com o que viria de bom com o terceiro milênio. E tanto na vida como na ficção, as coisas não acontecem exatamente como se planeja. E o filme passa por tudo isso.

E como foi o trabalho com os atores, em relação a desenvolver os personagens nesses dois períodos distintos?

A gente fez um trabalho de recreação muito intenso. Um mês antes das filmagens, passamos uns 15 dias na locação, convivendo como amigos. Foram dois longos fins de semana como amigos, não como atores convidados para conhecer a locação. E ficamos lá eu, meu filho, um preparador de elenco e os sete atores e mais ninguém. Eram atores dividindo os quartos e convivendo enquanto amigos. Assim a gente conseguiu criar essa intimidade entre eles, que eu acho que aparece no filme.

Não só entre eles, mas também com o próprio lugar. O filme transparece essa sensação de pertencimento que eles têm com o lugar.

Exatamente. Eles se apropriaram tanto do lugar, por ter ficado esse 15 dias convivendo, que quando chegou na hora de filme, quando eles chegaram, a casa estava dominada pela equipe. E não era mais a casa deles. Eles se sentiram invadidos. Mas eles se apropriaram do lugar de forma que ajudou a compor não só a amizade deles, mas esse grande painel que o filme acaba mostrando.

Durante esse período de ensaio, o roteiro foi escrito pelas palavras dos atores. É um tipo de rigor com improviso. Há um rigor muito grande em relação ao objetivo de cada cena. Mas as cenas eram improvisadas pelo elenco e, de certa maneira, o roteiro acabou sendo reescrito no ensaio. Eu via aquela cena improvisada e acabava limpando o texto. Ficou de certa maneira uma criação coletiva do roteiro.

“Entre Nós” se destaca na questão estética do cinema nacional. Como foram essas decisões na hora de filmar?

Isso é um trabalho muito intenso, de vários meses, que eu e meu filho ficamos desenvolvendo. A gente trabalhou muito nesse sentido. No primeiro momento da história, quando eles são jovens e tal, a câmera é na mão, vigorosa, totalmente solta, mais no improviso, com cores saturadas, e tudo isso transmite essa energia da juventude. Quando a gente vai para o segundo momento, em 2002, a câmera é mais estável, os enquadramentos de certa forma vão aprisionando os atores, eles vão ficando confinados atrás de colunas, nos vãos e nos limites extremos do quadro. Inclusive era uma preocupação deixar claro que não estávamos enquadrando para a TV. O filme só funciona no 2:35, não no 4:3. Dane-se o standard. as outras versões vão ser reduções da estética. A ideia, com isso, é aprisionar os personagens pelo enquadramento.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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