“Qualquer Gato Vira-Lata 2”

A sequência de abertura de “Qualquer Gato Vira-Lata 2″ é brilhante. Sem dúvidas, melhor que todo o primeiro filme e, infelizmente, melhor também do que vem a seguir. A tela é dividida ao meio. À esquerda, acompanhamos Conrado, personagem de Malvino Salvador, que metodicamente arruma sua mala enquanto fala ao telefone sobre a tese central de seu livro. À direita, Tati, novamente vivida por Cleo Pires, joga roupas aleatoriamente na sua bagagem enquanto também fala ao telefone.

Além de ser um raro momento no cinema comercial brasileiro em que a piada é gerada pelo conflito entre as imagens e o som, a sequência também antecipa o discurso do próprio filme. Conrado compara os humanos aos animais, partindo de uma análise superficial para definir que homens são predadores vorazes e mulheres são territoriais. Ao mesmo tempo, Tati parte dos lugares-comuns da sabedoria popular para também estabelecer regras de comportamento masculino e feminino. A piada está no fato de que as imagens negam seus discursos, coisa que será reforçada ao longo da trama. Afinal, cada ser humano funciona dentro de uma lógica própria que envolve questões muito mais complexas que determinismo social ou biológico.

O desenvolvimento da cena ainda é interessante. Tati e Conrado ligam as câmeras de seus celulares e começamos a acompanhar um jogo de flerte, ainda batendo na tecla da diferença gritante de personalidade entre os dois, do ponto de vista deles próprios. Mas logo a sequência acaba e já passamos para as cenas que estabelecem que o cenário agora é Cancún, no México, onde ele irá falar em uma palestra sobre seu novo livro, “Qualquer Gato Vira-Lata Tem uma Vida Sexual Melhor do Que a Nossa”.

Os problemas começam quando Conrado se sente pego de surpresa após Tati lhe pedir em casamento em público, o que leva à separação do casal e, claro, a todas as situações bizarras do filme. Os dois partem, então, para um misto de autoafirmação social e provocações que têm a função, pensam, de conquistar o parceiro de forma definitiva, sem precisar ceder, pedir desculpas ou se comprometer. Todas essas fórmulas para um relacionamento nada saudável são tiradas dos manuais de autoajuda fictícios da trama: ele segue a própria obra, enquanto Tati aplica os conselhos do livro de Rita, ex-mulher de Conrado.

Neste ponto, o filme começa a descambar ladeira abaixo, apoiando-se em um histrionismo que havia sido evitado até o momento do pedido de casamento – feito pela mulher, em uma bem-vinda inversão de papéis dentro das conservadoras comédias nacionais. As situações vão ficando mais e mais absurdas até chegar ao óbvio e esperado final. Não ajudam em nada as pausas que a narrativa faz para Cleo Pires fazer propaganda das empresas que patrocinaram o filme (ainda que, vá lá, poderia ter sido bem pior).

Mesmo com todos os seus defeitos, “Qualquer Gato Vira-Lata 2″ representa uma grande melhora em relação ao primeiro filme e ao panorama das atuais comédias nacionais. O Brasil vem descobrindo um apetite pelo cinema de gênero, mas só agora, alguns anos depois, é que talvez estejamos aprendendo a produzi-los.

Isso vale não apenas para a já comentada sequência de abertura, ou pela inversão de papéis. Mas sim para como este é um filme mais coeso e menos episódico, com as cenas do começo da história estabelecendo parâmetros para o final, coisa ainda rara na forma como os roteiristas pensam por aqui.

É provável que o mérito seja de Roberto Santucci, que divide a direção com Marcelo Antunez. Ele estreou com o bom “Bellini e a Esfinge” (2001), mas logo mergulhou em uma sequência de comédias românticas sucessos de bilheteria, como as franquias “De Pernas pro Ar” e “Até Que a Sorte nos Separe”. Santucci deve ter ganhado alguma moral com as produtoras para se permitir ser mais autoral e, provavelmente, começou a descobrir maneiras mais interessantes de resolver uma cena que não o bê-a-bá básico da televisão, que vem pautando a produção cinematográfica por aqui.

“Qualquer Gato Vira-Lata 2″ não é nosso “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”. Muito menos nosso “Harry e Sally – Feitos um para o Outro”. Mas, comparando a burocracia do primeiro filme com os pequenos momentos de brilhantismo da sequência, é bem possível que, um dia, cheguemos lá. Não custa sonhar, certo?

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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