“Sob o Mesmo Céu” é um filme estranho

Allison Ng, a oficial do exército americano vivida por Emma Stone em “Sob o Mesmo Céu”, é a chave para que possamos compreender o quão estranho é este mais novo trabalho de Cameron Crowe. Em sua primeira aparição, ela é claramente um estereótipo. Super empolgada, fala com firmeza o quanto está contente em poder trabalhar com Brian Gilcrest, o personagem de Bradley Cooper, para o horror dele.

A função narrativa deste momento é bem clara. Estabelecer a diferença entre os dois personagens centrais da trama. Brian é um homem que já lutou batalhas demais, caiu em desgraça vezes demais e tem agora uma última chance, de volta ao Havaí, onde passou tantos anos. Allison é uma mestiça entre suecos, chineses e havaianos que se sente profundamente grata em poder contribuir com seu conhecimento em relação à cultura e o idioma locais. Mas essa Allison só aparece de vez em quando no filme.

A relação começa claramente paternal. Allison é uma oficial em começo de carreira enquanto Brian já passou por tudo. Por isso é que não faz o menor sentido quando eles começam a se envolver romanticamente. Ou faz, se você compra a ideia de que essa é outra Allison, que flerta com homens com quem trabalha e liga para a mãe fazendo uma descrição afetada de Brian, coisa que não se encaixa muito bem com a militar.

Esse tipo de coisa acontece o tempo todo, com todos os personagens no núcleo central. É quase como se o diretor estivesse decidindo o que fazer com esses personagens no improviso, esquecendo-se do que havia sido filmado até então. Mas, como estamos falando de Cameron Crowe, curiosamente, essa média ainda consegue divertir, mesmo (novamente) não fazendo o menor sentido.

Boa parte da diversão vem por conta das participações especiais, como a de Bill Murray como o bilionário que contrata Brian para lançar um satélite, ou a de Alec Baldwin como um general que não vai com a cara do personagem de Cooper. Ou ainda Danny McBride como um oficial que não consegue ficar com as mãos paradas (o que nos faz questionar como foi que ele subiu tanto nas patentes, já que seria impossível bater continência ou ficar em estado de alerta completamente parado).

As melhores partes do filme ficam com a família que Brian poderia ter tido caso tivesse ficado no Havaí 15 anos antes. Woody e Tracy, vividos por John Krasinski e Rachel McAdams, e seus dois filhos. Essa é uma parte que também não se encaixa muito bem no contexto do filme, mas gera as cenas em que melhor podemos reconhecer a mão de Crowe. O estranhamento do convívio entre os dois homens, a tensão sexual do antigo casal, a dúvida em relação à paternidade da filha mais velha, tudo isso faz parte do seu universo.

Mas, como um não influencia o outro, o resultado soa como uma colagem de cenas de filmes que parecem melhores dentro de seus contextos próprios. É nessa colagem que “Sob o Mesmo Céu” perde sua força, deixando de ser um filme acima da média, como as outras obras de Crowe do quilate de “Tudo Acontece em Elizabethtown”, “Quase Famosos” e “Vanilla Sky”, contentando-se em ser apenas agradável, se tanto.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

1 ComentárioDeixe um comentário

  • Também achei que o filme parecia uma colagem de cenas. E que os personagens ficaram um pouco se muito aprofundamento. Mas achei a falta de lógica que você apontou interessante:
    “É quase como se o diretor estivesse decidindo o que fazer com esses personagens no improviso, esquecendo-se do que havia sido filmado até então.” Acho que esse improviso deixou os personagens um pouco mais reais. Pois a vida é praticamente feita de improviso, não é determinada por convenções literárias. A Allison se envolver com o Brian, mesmo que isso parece estranho pelo o que foi apresentado antes, soa perfeitamente plausível. Foge do paradigma de roteiro onde temos que seguir o que foi determinado pela personagem antes. O problema foi que essa forma improvisar do diretor não foi tão bem executada como poderia ter sido. Deixando o filme um tanto quanto estranho mesmo. Isso sem contar que levamos em conta a própria obra do Camerom Crowe, o que eleva um pouco a expectativa. Mas se o filme fosse feito por um cineasta desconhecido, talvez nem entraríamos em detalhes.
    Como você disse, perto dos outros filmes do diretor, “Sob o mesmo céu” acaba contentando-se em ser apenas agradável.

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