“Totalmente Inocentes” inaugura o gênero de paródia nacional

“Totalmente Inocentes” inaugura o gênero de paródia nacional

Até que estava demorando para aparecer por aqui, com o selo Globo Filmes de qualidade (sic), o filme-paródia. “Totalmente Inocentes” está aí para preencher essa lacuna (não que tenha alguém sentindo falta desse tipo de filme), tomando como base “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite” para tentar fazer humor. Mas só tentar, veja bem.

O longa acompanha o trio Da Fé, seu irmão Torrado e o amigo Bracinho, interpretados por Lucas D’Jesus, Carlos Evandro e Geison Silva, respectivamente. As enrascadas começam porque Da Fé está apaixonado pela irmã de Bracinho, Gildinha, papel de Mariana Rios. Ela é uma estudante de jornalismo que consegue um estágio na revista “Tapas e Tiros” porque o repórter Wanderlei, papel de Fábio Assunção, precisa fazer um perfil do novo chefão do tráfico na DDA, João do Morro, feito por Fábio Porchat, que também está apaixonado por Gildinha. Do Morro, como quer ser conhecido, acabou de tomar o poder da Diaba Loira, participação de Kiko Mascarenhas na personagem em alusão à Madame Satã.

A sensação geral aqui é a mesma de assistir um episódio de “Malhação”. Tanto no sentido das atuações forçadas, quanto no texto que inclui os “caracas” no folhetim adolescente e palavrões no filme. Mas a comparação fica forte mesmo quando se pensa no espírito das produções. Do mesmo jeito que “Malhação” parece ser escrita por gente que só ouviu falar de como adolescentes se comportam, “Totalmente Inocentes” também parece ter sido escrita por gente cuja única noção de como é a vida no morro vem, justamente, de filmes como “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”.

Aí a coisa fica complicada, porque “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite” não apenas são filmes melhores e mais bem resolvidos, como, mesmo sem querer fazer comédia, são mais engraçados. E assistir uma comédia que o tempo todo fica nos lembrando de outros filmes melhores e mais engraçados só nos faz pensar que estamos perdendo tempo e melhor mesmo era ir assistir “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”.

Nesse sentido, porém, tem uma piada (talvez “sacada” seja um termo melhor) boa. Os policiais Nervoso e Tranquilo são interpretados por Fábio Lago e Leandro Firmino, os Baiano e Zé Pequeno, respectivamente, vilões de “Tropa de Elite” e “Cidade de Deus”. Mas quando a melhor sacada de um filme é uma inversão de papéis, colocando os traficantes como policiais, a coisa vai mal.

“Totalmente Inocentes” ainda abraça uma estética mais modernosa, incluindo grafismos que reforçam signos da tela, o que é bacana para compensar a limitação de alguns atores. Por exemplo as linhas em torno de Fábio Assunção, mostrando que ele está tremendo de medo ao subir no morro, são melhores do que a cara de abobado dele para demonstrar seu pânico. O roteiro também tenta ser moderno, colocando Felipe Neto, interpretando a si mesmo (só que ainda mais irritante), aparecendo de 15 em 15 minutos para fazer um comentário dispensável sobre o que está em cena em uma espécie de videocast do morro. Completamente dispensável.

O questionamento que resta é o de pensar por que o dinheiro público é destinado para esse tipo de filme? O roteiro aprovado era tão bom assim? E mais, o que o Brasil ganha culturalmente ao patrocinar uma comédia sem sal com o selo Globo Filmes? A Globo não poderia simplesmente bancar o filme, sem abrir mão de seus impostos, que poderiam ser usados para financiar filmes mais artísticos e relevantes?

Inocente aqui é só o título e, eventualmente, o espectador.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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