“Uma Noite de Crime” falha no suspense, mas acerta no comentário social

A verdade é que a temática de `uma família que está sitiada em uma casa, à mercê de maníacos` foi explorada melhor e de forma mais contundente por Michael Haneke em suas duas versões de “Violência Gratuita”. Em seus melhores momentos, “Uma Noite de Crime” coloca seus personagens diante de duras questões morais, enquanto Haneke dá um passo além e joga essas questões para quem assiste.

O que não quer dizer que “Uma Noite de Crime” seja um desperdício completo de filme. Há uma mensagem a ser passada e, se é preciso fazer um suspense capenga e barato para as pessoas assistirem, tudo bem.

O filme é ambientado em um futuro próximo. Os EUA entraram em colapso e se reergueram das cinzas. Agora vive-se o mais próximo de uma utopia, com baixíssima criminalidade e taxas de desemprego menores ainda. Mas há um porém. Durante 12 horas de uma única noite por ano todos os crimes são permitidos. Encorajados até. Roubo, assassinato, depredação, estupro. Tudo perdoado se for feito na janela de tempo estipulada. A desculpa é que essa é uma forma de expurgar toda a violência que é inerente ao ser humano. O animal feroz dentro de nós foi aceito e, para se manter enjaulado, precisa de um banho de sol periódico.

No centro da trama está uma família, os Sandin, cuja renda é baseada na venda de sistemas de segurança domiciliar para proteger aqueles que não tem muito interesse em participar e não desejam se ferir em meio à loucura – assim como eles próprios. Mas essa mesma loucura acaba chegando até eles, mesmo morando em um bairro distante, em uma mansão, com vizinhos igualmente abastados. Onde essas coisas não deveriam acontecer.

O diretor James DeMonaco aproveita esse contexto para rechear o filme de pequenos comentários sociais, ainda que rasos. O rádio ou a TV, ligados o tempo todo durante a primeira metade do filme, se ocupam de nos dar uma série de comentários, já mastigados, para que não seja possível perder a mensagem. O expurgo serviria, apontam os críticos, mais para livrar a sociedade dos pobres e fracos que, não podendo se defender, enfraquecem a sociedade/espécie, forçando, assim, uma seleção não muito natural.

Ao mesmo tempo, a família Sandin, representante dos abastados que toleram o que há de pior na humanidade, desde que isso aconteça bem longe deles, é confrontada com a crueldade da prática. É aí que entram as decisões morais – mesmo que seja feito dentro de um simplismo um tanto tacanho. É, novamente, o discurso do auto-engano social, que só serve para livrar nossas consciências enquanto vivemos nossas vidinhas. A questão é que, o filme postula, alguém paga o pato.

DeMonaco não se esforça muito para criar algo novo, do ponto de vista visual. Se houver um livro de `como filmar suspense em ambiente restrito`, ele foi seguido à risca. Isso só é ruim na medida em que o hábito de assistir filmes do gênero te fazem antecipar cada cena, cada susto, cada movimento dos personagens. Mesmo a grande surpresa final não é nem tão grande e nem tão surpreendente, se você estiver prestando atenção.

Mas como a produção custou ridículos US$ 3 milhões e já rendeu mais de 60, só nos EUA, uma continuação já está aprovada. O que é prova de que Hollywood está mais interessada em dinheiro do que em uma agenda secreta de dominação, se permitindo até mesmo comentários sociais que vão contra o estilo de vida que ela mesma propicia.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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