Com “Argo”, Ben Affleck deixa de ser um dos diretores mais promissores trabalhando em Hollywood, para se tornar um dos melhores diretores trabalhando em Hollywood. Sua trajetória por trás das câmeras sempre foi uma possibilidade, desde que estourou coescrevendo, junto de Matt Damon, o roteiro de “Gênio Indomável”, e ganhando um Oscar por isso. Ali ele já demonstrava boa mão para a narrativa, mas resolveu focar em sua carreira como ator. Felizmente, mudou de ideia alguns anos atrás, fazendo o bom “Medo da Verdade” e o ótimo “Atração Perigosa”. Mas “Argo”, seu terceiro filme, está em outro patamar.
O longa é baseado em um artigo publicado na revista “Wired”, chamado “How CIA Used a Fake Sci-Fi Flick to Rescue American from Tehran” (algo no sentido de “Como a CIA usou um filme falso de ficção científica para resgatar americanos de Teerã”). No final dos anos 70, início dos 80, um golpe de estado comandado por religiosos de maioria xiita depõe o xá do Irã, que possuía apoio dos EUA (interessado nas concessões de petróleo), colocando no poder o aiatolá Khomeini.
Esse golpe cria um sentimento nacionalista tão intenso que o povo invade a embaixada dos EUA em Teerã, fazendo todos os diplomatas reféns. Mas seis conseguem escapar e acabam se refugiando na casa do embaixador do Canadá. A CIA então coloca seu especialista em resgates, personagem de Affleck, para cuidar do caso. A sua solução é forjar a produção de um filme, uma ficção científica, e colocar os refugiados como parte da equipe. E sim, isso aconteceu de verdade.
“Argo” começa emulando um documentário historiográfico, reconstruindo cenas e apresentando dados da época para situar o espectador. Armado o cenário com os americanos feitos reféns e com o plano da CIA em andamento, entra em cena um novo filme, que se assemelha mais a um “11 Homens e um Segredo” (o fato de George Clooney ser produtor de “Argo” ajuda nisso), que envolve a passagem por Hollywood. Entram em cena os alívios cômicos, encarnados por John Goodman e Alan Arkin. É quando o filme se permite rir um pouco da própria Hollywood e seu esquema de produção. Quando o plano precisa ser colocado em ação, na terceira parte, o longa se transforma completamente em um thriller de espionagem, com toda a tensão do jogo de gato e rato que é típica dos melhores representantes do gênero.
Os diferentes ritmos e estilos para se conduzir a narrativa são entrelaçados com suavidade, sem causar ruído, o que acaba sendo mais uma prova do bom trabalho de Affleck. Ele também tem segurança para extrair o melhor de cada um dos seus ótimos atores, que se entregam em uma reconstrução de figurinos e penteados deliciosamente setentistas (os hipsters invejarão alguns eventuais óculos e bigodes que passam pela tela). Na passagem hollywoodiana, ainda sobram algumas belas referências visuais a “Flash Gordon” e “Star Wars” (que, descobrimos no final, é usado mais como memória afetiva do que como paródia).
Os destaques óbvios vão para os já citados Arkin e Goodman, com Bryan Cranston correndo por fora e roubando cenas, como em “Drive” ou “O Vingador do Futuro”, especialmente por imprimirem algum humor sem causar nenhuma discrepância com o tom geral do filme. Apontar outros atores, porém, seria injusto com o restante do elenco, que trabalha bem afiado. Seja um ator hollywoodiano, seja um dos diplomatas refugiados.
Ainda assim, Affleck entrega uma bela performance. E é engraçado pensar que, como ele também estava muito bem em “Atração Perigosa”, parece ser o único diretor que consegue arrancar uma boa atuação de si mesmo. Gus Van Saint, no já citado “Gênio Indomável”, talvez tenha sido o que chegou mais perto de tirar de Affleck uma interpretação deste porte. Ele talvez estivesse, esse tempo todo, escondendo o jogo, guardando o melhor de si para quando pudesse beneficiar a si mesmo. Se for o caso, para filmes como “Argo”, valeu termos todos passado por “Armageddon”.
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Publicado originalmente no Portal POP.