“Philomena” coloca em choque dois universos culturais distintos

Philomena

Na superfície, “Philomena” é um drama sobre como uma mulher parte em busca de seu passado, contando com a ajuda de um jornalista para encontrar seu filho, que foi tirado de suas mãos 50 anos atrás. Mas Steve Coogan, roteirista e ator que interpreta o jornalista, junto de Stephen Frears, o diretor, arrancam bem mais dessa história real – como tantas outras que o cinema anda recebendo todas as semanas – do que essa sinopse em um frase deixa transparecer.

Martin Sixsmith é o cínico jornalista interpretado por Coogan. Por conta de uma declaração infeliz ele perde seu emprego como assessor direto do Primeiro Ministro. Sem muitas perspectivas, ele acaba esbarrando, meio sem querer, em Philomena Lee, interpretada por uma impecável Judi Dench. Ela é uma irlandesa velhinha que segue angustiada com o o fato de que, 50 anos antes, seu filho foi tirado dela – uma das muitas boas ações da igreja católica, como chegamos a saber ao longo do filme.

Sixmith vende a pauta para uma editora, sublinhando o interesse humano, e consegue seguir as pistas do paradeiro do filho de Philomena. A jornada os leva de Londres para Dublin, de lá para os EUA e de volta ao Reino Unido à medida em que vamos sabendo mais sobre a vida do garoto adotado e sobre a benevolência das freiras. E a história é bem tocante, especialmente na relação entre Phil e a religião, que não se abala apesar de todas as maldades feitas para com ela em nome da fé e de uma noção distorcida de certo e errado.

Mas a parte que é realmente interessante envolve a reação de Martin à Philomena e vice versa. Martin representa o londrino intelectualizado e pedante que infantiliza quem não partilha de suas opiniões e acesso ao que ele considera como cultura elevada, que é justamente a parcela da população que Philomena representa, com seus romances de banca, gentileza irrestrita à estranhos e surpresa genuína com facilidades de hotéis de luxo. A colisão entre esses dois mundos, o elegante e boçal com o camponês e popular, é a verdadeira matéria de que é feito “Philomena”.

Ao colocar esses dois universos em choque, Frears e Coogan fazem um duro comentário sobre a relação entre as pessoas. Não apenas sobre os o Reino Unido e suas castas, mas sobre todo o mundo. Note como Martin, uma pessoa até então ligada ao governo britânico, não possui a menor pista sobre como vivem, quem são e o que querem as pessoas que vivem o dia a dia de seu país – daí, inclusive, a insensibilidade levou sua demissão, para começo de conversa.

O mérito é de Coogan, pelo texto e pela atuação, ao criar um Martin Sixsmith que é tão pedante e elitista cultural quanto o descrito acima, mas ainda assim simpático o suficiente para não deixar o filme irritante. O mesmo vale para Dench, mas elevado à 1000. O resultado, como não poderia ser diferente, é agridoce e suave.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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