Se houvesse um Oscar (ou prêmio Nobel, talvez?) para melhor ideia de um produtor, a de 2014, seguramente, teria “Ajuste de Contas” entre os indicados. Por que o conceito básico do filme é tão simples quanto genial. Óbvio, até – daqueles em que você meio que não sabe até hoje como é que ninguém tinha pensado nisso. O quão brilhante não é colocar Robert De Niro e Sylvester Stallone em um filme sobre dois boxeadores rivais e velhos que irão, 30 anos depois do auge, terminar a melhor de três da vida deles?
Parte da genialidade nisso envolve o fato de que eles viveram dois dos maiores boxeadores da história do cinema. Stallone nos filmes do “Rocky”, que vive aqui Henry ‘Razor’ Sharp, e De Niro em “Touro Indomável”, dando vida a Billy ‘The Kid’ McDonnen. A combinação dos dois atores no mesmo ringue/cena já justifica a existência do filme. E o melhor é que ele ainda tem mais méritos do que um simples ponto de partida.
A trama parte dessa luta histórica, que acontece 30 anos depois por motivos bizarros (e engraçados). Mas isso, como todo filme sobre boxe, só vem no final – afinal, toda luta é uma catarse. O grosso do filme acompanha os dois veteranos se preparando e divulgando o evento, ao mesmo tempo em que revivem algumas passagens dolorosas de seus passados. De um lado, Kid tenta lidar com a família que nunca quis ter, e, de outro, Razor tentando abraçar a família que nunca pode ter.
Isso vem embalado em uma série de referências aos clássicos do boxe, o que rende algumas cenas bem boas. Em geral, elas envolvem Stallone tendo que tomar seus ovos crus ou indo em um frigorífico para socar aqueles grandes pedaços de carne congelada. Desse lado, quem fica responsável pelo carisma é Alan Arkin, que encarna a figura do treinador velho de guerra e bonachão. Do outro é o próprio De Niro que segura as pontas. Mulherengo e farrista, além de – o roteiro parece insinuar – melhor lutador, Kid encarna o tipo odioso, não muito diferente do próprio La Motta que o ator viveu em “Touro Indomável”.
A impressão final é que esse roteiro é uma versão recauchutada de “Rocky Balboa”, canto do cisne de Stallone com o personagem. Mas, ao invés de um velho que quer provar algo para si mesmo, temos dois. Isso dilui a carga emocional e abre espaço para todas as piadas e referências aos outros filmes. O que não é ruim. Na verdade, se a luta final fosse filmada de um jeito menos burocrático, e se fossem evitadas algumas piadas óbvias e desnecessárias, teríamos, aqui, um neo-clássico absoluto.
No fundo, “Ajuste de Contas” é mais um dos filmes que Hollywood parece gerar por não saber o que fazer com seus astros que estão envelhecendo. O que faz com que a própria velhice seja o tema central. O próprio Stallone abordou isso no em “Rocky Balboa”, enquanto De Niro parece ter obrigação contratual de estrelar quantos filmes desses sejam necessários – e sua última estreia, “A Última Viagem a Vegas”, está aí para não me deixar mentir. Parece até que são os próprios atores que buscam esses trabalhos, refletindo a sua própria mortalidade, cada vez mais real.
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Publicado originalmente no Portal POP.