“A Vida Secreta de Walter Mitty” faz doce investigação do homem moderno

A Vida Secreta de Walter Mitty

Vivemos a era da insatisfação. Crescemos convictos de que merecemos mais, somos especiais, destinados a grandes feitos e realizações. E tanto o cinema hollywoodiano quanto nossas mães são igualmente culpados nisso. Mas a maioria de nós acaba em empregos mundanos, levando vidas ordinárias. É simplesmente impossível que todos sejamos astronautas, pilotos de corrida ou fotógrafos da “National Geografic”.

Mas é nessa sensação de que poderíamos (ou deveríamos) ser maiores que está boa parte da qualidade intrínsseca de “A Vida Secreta de Walter Mitty”. O personagem-título, vivido por Ben Stiller, aqui fazendo as vezes de diretor – função que deveria exercer mais vezes -, é a encarnação desse homem comum, que passou a vida inteira adiando a sua vida por conta de responsabilidades. Não é por acaso que já na primeira cena ele aparece fazendo contas para pagar uma casa de repouso para sua mãe. O dever antes de tudo.

Walter Mitty trabalha no setor de fotografias da revista “Life”, que está sendo incorporada por uma outra empresa e será transformada em uma publicação online. Para a última edição o recluso fotógrafo Sean O`Connell, papel de Sean Penn, envia os negativos diretamente para Walter. Exceto um misterioso fotograma, que é descrito como quintessência da vida, altamente recomendado para estampar a última capa. Esse mistério é interpretado por Walter como uma oportunidade única de trocar os sonhos de aventura que tem, em geral acordado, para uma verdadeira aventura. E mais: uma oportunidade de se tornar o homem que sempre quis ser, ou, com sorte, o homem que Cheryl Melhoff, vivida por Kristen Wiig, seu interesse romântico, quer para si.

No fundo, é como se Stiller desse um passo seguinte em relação à sua estreia como diretor em “Caindo Na Real”. Se nos anos 90 ele retratou a geração que tinha todas as possibilidades do mundo, mas não tinham culhões para escolher nada, “A Vida Secreta de Walter Mitty” é sua ressaca. A geração que descobriu que todos os caminhos levavam a um cubículo e à aposentadoria precoce por conta de doenças do coração. Mas não há dedos acusatórios, nem sermões. Há muito carinho e compreensão em relação ao ser humano das sociedades contemporâneas (ao menos os brancos de classe média, minimamente escolarizados habitantes de grandes centros urbanos em democracias ocidentais) que vive achatado por tudo o que compõe esse modo de vida. Desde chefes cada vez mais abusivos até contas cada vez mais exorbitantes.

Apesar disso ser o veio central de “A Vida Secreta de Walter Mitty” o filme ainda se abre para outras questões. Como o fim de uma era mais romântica, simbolizados no fechamento da revista “Life” – não por acaso “Vida”, em inglês – e no fato de O`Connell ser um dos últimos fotógrafos a ainda usar filme. É triste, para nós jornalistas, ver a “Life” sendo, aos poucos, desmantelada. O nosso mundo de sonhadores vem sendo substituído por jovens ambiciosos e, como bem define o próprio Walter em certo momento, completos babacas, que não se preocupam com o que estão destruindo, desde que recebam um pagamento polpudo no final do mês.

Toda essa poesia ainda vem embalada em uma fotografia de tirar o fôlego e uma trilha que ajuda demais a aumentar a sensação de que a aventura de Walter Mitty é, no mínimo, épica – coisa relativamente fácil de se alcançar quando se tem David Bowie entre as canções. O resultado é uma jornada em direção ao que significa ser um adulto nas primeiras décadas do segundo milênio. E se a coisa não está bonita, ao menos temos nossos sonhos para nos consolar.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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