Foxcatcher: Uma História Que Chocou o Mundo

O estilo de direção de Bennett Miller se assemelha ao trabalho de um escultor. E todo o trabalho duro que ele destinou à sua mais recente peça se reflete no empenho que nós mesmos precisamos despender enquanto assistimos. Foxcatcher: Uma História Que Chocou o Mundo é o que se chama de obra de fôlego e, como tal, exige esforço para ser compreendida, o que invariavelmente gera uma recompensa ao final.

A lentidão com que Miller filma atende ao propósito de estabelecer primeiro os personagens centrais: os irmãos praticantes de luta greco-romana, Mark e David Schultz (Channing Tatum e Mark Ruffalo) e o milionário John du Pont (Steve Carell), que os convida para treinar em sua fazenda, criando assim o time Foxcatcher. O movimento seguinte é o de deixar claras as relações entre os três até que, por fim, sobre apenas conflito e tensão.

Miller cria um filme delicado e poderoso ao deixar a tensão se acumular lentamente até explodir em nossa cara. Enquanto foca sobre a forma como Mark se ressente de David, questionando sua própria habilidade e potencial, vai deixando o conflito real e mais profundo de pano de fundo: o de Du Pont se ressentindo por David possuir o talento e o conhecimento que o colocam como líder natural.

Mais do que a meticulosa direção, Foxcatcher ainda conta com um time impecável de atores para se apoiar. Ruffalo em sua zona de conforto cria um mito: amado pela esposa e filhos, faz-se sozinho e ainda encontra tempo para cuidar do irmão. Seu personagem é um líder nato e com uma promissora carreira como treinador vitorioso pela frente. Como não invejar esse homem? Como sair de sua sombra? Como superá-lo, já que ele sequer está tentando ser melhor do que alguém?

Tatum, por sua vez, tem mais instrumentos para criar seu personagem. Seu porte musculoso ajuda, mas há mais ali do que a simples correlação física. Ele projeta seus braços e maxilar para frente, quase emulando um símio, incorporando a postura de alguém que realmente passou milhares de horas de sua vida com o corpo projetado para a frente em treinos de luta greco-romana.

Ainda assim é Carell quem mais brilha. E não apenas pelo simples clichê do comediante que encara um drama pesado. Isso é besteira. Qualquer ator com um mínimo de noção de seu ofício sabe que o desafio real está no humor e não o contrário. O mérito dele é o de conseguir recriar o mesmíssimo efeito de seu Michael Scott, de The Office, dentro da estrutura narrativa restritiva de Miller e, além disso, usando uma postura e empostação vocal completamente diferentes.

Isso também é parte da esperteza de Miller na hora de escalar Carrel: entender que seu Du Pont é apenas uma variação mais realista e edipiana de Michael Scott. Mas como Foxcatcher possui uma tensão muito particular, as atitudes do milionário nunca são engraçadas, senão patéticas. Esta característica vale tanto para sua insistência em ser chamado de “Águia”, ou “Águia Dourada”, quanto para sua tentativa de assumir um treino no lugar de David — mas só quando sua mãe está olhando. Nas mãos de qualquer outro diretor e ator o efeito de cenas como essas seria um humor involuntário que nada agregaria para a obra. Ainda bem que não estamos falando de um diretor qualquer.

No fundo, Foxcatcher é sobre a necessidade que temos de nos afirmar enquanto possuímos essa desconfiança profunda de que não somos bons o bastante. E as respostas de Mark e John a isso, a como eles se sentem inferiores e infantis diante de David, representam as reações possíveis — negação ou afirmação — aqui levadas ao extremo. O resultado é um filme sobre os próprios EUA,um país que não se reconhece ao olhar no espelho e busca na ressignificação de episódios do passado a sua própria identidade, transformando suas derrotas em glórias.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

1 ComentárioDeixe um comentário

  • Muito bom! Tinha me marcado – mas eu não tinha me dado muita conta do que isso significava – essa coisa de cenas de um humor quase formal (como o treino em frente à mãe) que o diretor consegue “segurar” este cômico e a torna apenas angustiante.
    Acho também que o filme o ritmo lento do filme permite que ele tenha uma construção muito realista do sofrimento. Não tem um grande gap, por exemplo, de como a relação entre os personagens do Channing e do Carrell torna-se insustentável, por exemplo. Ou algo que tensione o momento depressivo violento do Tatum. É algo que simplesmente é parte do personagem, está lá. Ao mesmo tempo que a lentidão do filme constrói isso, quando você menos percebe o personagem vai da glória ao fundo do poço.

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