“Mad Max: Estrada da Fúria”

Nostalgia é a matéria de que é feito “Mad Max: Estrada da Fúria”. Já se passaram três décadas desde que “Além da Cúpula do Trovão” chegou aos cinemas. Então, um novo filme precisa ecoar os momentos mais icônicos dos outros três. Por isso, revemos o Interceptor, ainda que Max, agora vivido por Tom Hardy, só o dirija por alguns segundos. Também é por isso que o vilão, o já clássico Immortan Joe, é vivido por Hugh Keays-Byrne, o mesmo ator que deu vida ao Toecutter na primeira aparição do Guerreiro da Estrada, em 1979, com o acréscimo de uma máscara, como o Humungus de “A Caçada Continua”, e o apoio de um anão, como o Master/Blaster do terceiro.

O desenvolvimento da ação toma emprestada parte do enredo de “A Caçada Continua”, com Max dirigindo um caminhão-pipa rumo a uma promessa de paraíso que sabe não ser verdadeira e sendo atacado incessantemente por conta disso. O principal grupo de ataque, o liderado por Immortan Joe, tem a pele branca, cabelos raspados e olhos fundos como o garoto que ajuda Max em “Além da Cúpula do Trovão”. São os War Puppies.

Mas “Mad Max: Estrada da Fúria” também é feito de reflexões humanístico-existencialistas. E nem é o caso óbvio da crítica ao consumo exagerado que levará ao declínio humano. Isso está lá, claro. Os indivíduos que habitam a Wasteland do filme lutam tanto por água quanto por petróleo ou munição. Talvez até mais. Por isso se associam entre si, já que sozinhos não teriam força suficiente para reclamar seu quinhão. A loucura de Max está na sua constante opção pela solidão.

A reflexão existencialista é ainda mais sutil do que a crítica ao consumo. A Imperatriz Furiosa, vivida por Charlize Theron, tenta defender as cinco esposas de Immortan Joe. Uma loira, uma albina, uma negra, uma morena e uma ruiva, não por acaso todas vestidas de branco. Elas claramente representam uma chance de recomeço puro para a humanidade e a civilização, já que seus corpos não apresentam as mutilações, cicatrizes ou sinais de doença que estão na pele de todos os habitantes da Wasteland. Esse símbolo é reforçado mais adiante com as Vuvalini e seus sacos de sementes.

Ainda no sentido existencial, “Estrada da Fúria” faz um duro ataque às religiões e convenções sociais, que é de onde tira boa parte de seu humor. Cada grupo cria sua própria lógica de culto, que tem a mesma origem comum: a esperança metafísica de que há algo de melhor nos esperando na outra vida como única forma de suportar os horrores desta encarnação. Por isso, os War Puppies sonham em atravessar os portões do Valhalla e se refestelar em um McBanquete. Em “Mad Max” os discursos são como os carros (último resquício da civilização e símbolo final de uma masculinidade capitalista que forma o pensamento dos vilões). Eles foram montados quase aleatoriamente sobre as ruínas do que fez sentido um dia.

“Mad Max: Estrada da Fúria” é, talvez principalmente, uma colagem celebratória de uma beleza estética como pouco se vê no cinema. A câmera passeia pelas cenas de perseguição que se enfileiram até encontrar sua apoteose. Duas vezes, porque é esse tipo de filme. A primeira é interrompida por uma tempestade de areia cuja magnitude é multiplicada pela enorme tela do IMAX. A segunda, perto do desfecho do filme, é daquelas que ficará na memória coletiva e deve demorar a ser superada nos próximos anos.

George Miller, que está pela quarta vez à frente do roteiro e da direção de “Mad Max”, entrega um espetáculo visual cinematográfico. Algo que fica bem claro na forma como ele conduz a câmera durante as cenas de perseguição, pela tomada à distância dos carros entrando na já citada tempestade de areia e na coragem ao mudar as feições da máscara de Immortan Joe para criar um efeito dramático visual.

Miller sabe que o apocalipse de “Mad Max” é brega e datado dos anos 80 e não se embaraça com isso. Nós, espectadores, muito menos.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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