Em inglês, convencionou-se chamar filmes como “O Lado Bom da Vida” de `feel good movie`. O que quer dizer que são filmes agradáveis de se ver, recheados de personagens adoráveis, ainda que cheios de defeitos (mas todos defeitos adoráveis), com uma trilha bacana e edição espertinha, além de diálogos ágeis e saborosos. Esses filmes, inclusive, costumam perpassar pelas comédias românticas, mesmo não sendo obrigatoriamente uma comédia romântica. E se os `feel good movies` são um gênero, afinal, já dá para dizer que “O Lado Bom da Vida” é seu exemplar definitivo. Não apenas por conter todos os elementos do (vá lá) gênero, mas por subvertê-los. Tudo com muita leveza, claro.
No filme acompanhamos Pat, papel de Bradley Cooper, um professor de história que está saindo de um hospital psiquiátrico depois de ter um colapso nervoso. Ele volta para a casa dos seus pais obcecado em retomar sua vida e seu casamento. Para isso ele resolve focar em tudo o que sua mulher lhe criticava: entrar em forma e ler os livros que sua esposa usa para dar aulas. Um belo dia ele conhece a cunhada de seu melhor amigo Tiffany, interpretada por Jennifer Lawrence, uma jovem viúva, com tantos problemas psicológicos quanto ele. E é na relação um tanto obsessiva entre os dois que a trama se desenvolve.
Um dos grandes trunfos do filme, mérito do diretor David O. Russell como contador de histórias, é sua capacidade de dar volume para todos os personagens. Desde o pai, interpretado por Robert De Niro, cheio de manias e supertições em relação aos jogos de futebol americano, ou a mãe, papel de Jacki Weaver, com sua superproteção aos filhos, ou mesmo melhor amigo, que soca paredes ao som de heavy metal por conta de sua frustração com o emprego e com a família. Por conta disso, Russell ainda consegue mostrar que Pat e Tiffany estão longe de ser os únicos com problemas psicológicos a serem tratados.
Mas isso não seria possível se o filme não pudesse contar com grandes atuações, arrancadas do elenco pelo diretor. O que não deve ter sido fácil. Afinal, Cooper, por exemplo, estava acostumado a fazer pose de galã e falar algumas frases. Mas, aqui, faz juz a sua indicação ao Oscar. O mesmo para De Niro, que estava atuando havia tempos no piloto automático e, ao menos aqui, é retirado de sua inércia. Isso para nem falar de Jennifer, que com apenas 22 anos já é uma das grandes atrizes de sua geração. E não há quem conteste.
É possível apontar para os aspectos negativos de distúrbios psicológicos, alegando que o filme os glamuriza, ao colocar Pat e Tiffany mais como desajustados socialmente do que doentes. Há uma certa razão nisso, mas duas coisas se fazem notar. A primeira é que Russell, por mais agridoce que seja o filme, não esconde o lado negro dos problemas. O comportamento dos dois é tão perigoso quanto auto-destrutivo e eles precisam de acompanhamento médico e até farmacológico. A segunda é que o próprio Russell tem um filho com problemas psicológicos, o que não apenas legitima sua visão, como transforma a imagem de `desajustados` em um retrato carinhoso. É como se ele dissesse que, além de tudo, pessoas com doenças psicológicas precisam de amor.
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Publicado originalmente no Portal POP.