“Orange Is the New Black”, a terceira temporada

O maior trunfo de “Orange Is the New Black”, série da Netflix cuja terceira temporada foi disponibilizada no último final de semana, também está começando a se tornar sua grande maldição. A série sempre foi menos sobre Piper Chapman, a jovem, branca e bem educada que acaba condenada a 15 meses em uma penitenciária, e mais sobre todas as outras detentas, seus dramas pessoais e, principalmente, suas histórias, o que as levou até ali. O resultado é uma humanização brutal dessas personagens que, de outra forma, seriam apenas estereótipos grotescos do dia a dia da prisão.

O problema é que a história de Piper já havia se esgotado na primeira temporada, ganhando um epílogo superficial ao longo da segunda (tolerável apenas pela redução do espaço em cena, em favor das outras detentas, novamente, mais interessantes). Os limites, porém, foram ultrapassados agora.

Claro que, em diversos sentidos, Piper segue como nossa representação dentro daquele universo. Uma mulher que não reconhece os privilégios que recebeu em sua vida nem quando eles são esfregados em sua cara, que acha que crescer em uma mansão sem a atenção da mãe de alguma forma pode ser comparável com a história de qualquer outra detenta. Mas esse motivo existencial para sua permanência na trama não vem acompanhado de um motivo narrativo com apelo semelhante. O resultado é o foco no seu relacionamento ioiô com Alex Vause, nos primeiros episódios, que se desenvolve em um esquema de venda de calcinhas usadas para pervertidos e em Piper se interessando por outra mulher.

O curioso é que isso transforma Piper no mesmo tipo de estereótipo que “Orange Is the New Black” se esforça tanto para destruir. Primeiro, reforçando sua inclinação natural ao egoísmo patológico, especialmente em relação ao seu relacionamento com Alex. Mas, principalmente, depois de ela começar seu negócio dentro da cadeia, o que a transforma em uma espécie de Walter White do mundo bizarro. A série, com isso, parece afirmar que é o ambiente o fator determinante para o comportamento, o exato contrário do que acontece com as outras detentas.

Dá para ver que há uma tentativa de manter outros temas dando liga à série, que não o umbigo de Piper. Na segunda temporada, por exemplo, houve a questão da corrupção pública, que se desenvolve agora na inaptidão empresarial para lidar com um serviço básico como a manutenção de uma prisão — que ganha um curioso paralelo em relação ao negócio de calcinhas sujas de Piper —, com resultados catastróficos, já que eles visam apenas ao lucro. Mas nada que chegue a ser mais interessante do que o dia a dia das detentas e seus passados.

Por sorte, são os dramas dessas mulheres que aparecem mais, com algumas histórias ainda inéditas sendo exploradas de forma tão inusitada quanto precisa. Personagens absolutamente improváveis, como Big Bo, a – digamos – “fortinha” da prisão; Chang, a chinesa da lojinha que vive uma vida secreta; Norma, a muda espiritualizada; e inclusive Leanne, uma das duas craquentas, ganham contornos humanos. Até mesmo Joe Caputo, o oficial que passa a temporada tentando fazer a cadeia funcionar a qualquer custo, recebe uma merecida humanização.

É uma pena que o melhor episódio neste sentido seja justamente o primeiro, que mostra as prisioneiras recebendo seus filhos para o dia das mães e o passado de vários delas, e de alguns guardas, ainda crianças, ganhando atenção e destaque. Depois disso, sobram anedotas engraçadinhas, personagens que desaparecem aleatoriamente e aquela cara estranha que a Taylor Schilling (atriz que vive a Piper) faz sempre que parece não saber o que fazer em cena.

Com isso, é bem provável que ainda tenhamos uma quarta temporada, já que são muitas pontas soltas e histórias que ficaram pela metade. Mas uma quinta talvez seja demais.

Publicado originalmente no Portal POP.

Sobre o autor Veja todos os posts

Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

2 de comentáriosDeixe um comentário

  • Oi, Luiz.
    Terminamos ontem de assistir essa temporada. Tenho que dizer que cada temporada de OITNB me decepciona mais. Acho as histórias muito fracas, muito água com açúcar. A cena final do lago foi uma enrolação tão absurda da equipe criadora. No geral acho que os episódios tem ou outro momento interessante mergulhados em histórias pasteurizadas, sem gosto…

    • O que enfraquece, acho, é justamente o arco da Piper, que é o que dá liga para a trama. Mas as histórias das outras detentas seguem sensacionais, não?

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *