“Belas e Perseguidas” se esforça, mas não chega longe

O currículo de Anne Fletcher não ajuda muito na hora de assistir a seu mais novo trabalho. Comédias românticas inócuas como “A Proposta” e “Vestida para Casar”, para ficar nos exemplos mais famosos, apostam em piadas fáceis, explorando estereótipos femininos. Mas “Belas e Perseguidas” tem a pretensão de ser diferente pela simples presença de Reese Witherspoon, atriz cuja produtora se dedica a filmes em que mulheres são retratadas de forma um pouco menos machista, como “Livre” ou “Garota Exemplar”.

“Belas e Perseguidas” não é um filme tão libertário quanto os dois últimos exemplos, mas também não é tão danoso para as mulheres quanto os outros trabalhos de Anne. Ele se equilibra em um meio termo estranho, espécie de limbo cinematográfico. Ao mesmo tempo em que consegue usar o estereótipo feminino como artifício narrativo, fazendo o roteiro andar, aposta no histrionismo afetado das personagens principais para fazer humor. Algo com mais potencial para irritar do que para fazer rir.

A trama coloca Reese como Rose Cooper, uma mulher que só queria honrar o nome de seu pai, um policial herói — relação que é mostrada na boa sequência de abertura. Não demora muito para descobrirmos que ela cometeu um erro bizarro em ação e acabou se tornando uma “secretária de luxo”, como outro personagem a acusa. Mas ela recebe uma nova chance de voltar às ruas. Só precisa trabalhar ao lado de um agente do FBI para escoltar um contador, responsável por lavar o dinheiro do cartel de drogas mexicano, que resolveu entregar seu ex-patrão. Junto dele vai a esposa, Daniella Riva, interpretada por Sofia Vergara.

Logo o filme se transforma em uma história clássica de duas pessoas que não poderiam ser mais diferentes e são obrigadas a conviver. Brigam o tempo todo até que, em algum momento, descobrem que se respeitam e se admiram. E, se fossem um casal, como é o clichê hollywoodiano, iriam se apaixonar. Mas como são duas mulheres, o que é relativamente incomum no cinemão de blockbusters, o negócio fica na coisa da diferença entre elas.

Enquanto Cooper é loira, baixinha e mais policial do que feminina, a senhora Riva, por outro lado, é a encarnação do que se espera de uma mulher latina, cheia de curvas e sensual. Parte do discurso de “Belas e Perigosas” envolve contradizer esses estereótipos. Mas faz isso de uma forma leviana, com duas frases — “só porque sou uma americana branca não quer dizer que eu não tenha feito aulas de espanhol” e “só porque sou bonita não quer dizer que não seja inteligente” —, sem fazer questão de contextualizar melhor.

A questão do estereótipo, que deveria ser central para a trama, carece da sutileza (em um nível existencial) que o filme apresenta em diversos momentos. Especialmente na forma como elas fazem para escapar da maior parte das enrascadas, o que envolve o uso, justamente, dos seus dotes femininos. Como quando a senhora Riva abusa do decote para não serem reconhecidas, ou quando elas começam a se beijar para distrair um caipira com uma arma. É interessante pelo uso da feminilidade, considerada sempre uma fraqueza, como uma arma.

Por conta disso, até dá para entender o que interessou Reese no roteiro de “Belas e Perseguidas”. Há um esforço legítimo de tentar desconstruir uma série de estereótipos, buscando o humor no meio do caminho. O que é sensivelmente mais interessante do que tentar modernizar “Thelma e Louise”. Mas quando elas, as personagens, começam a discutir por conta de algum tipo de picuinha feminina, todas as boas intenções vão pelo ralo. E não há decote que consiga nos distrair disso.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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