Em “Corações Sujos” Vicente Amorim faz seu filme mais irregular

Em “Corações Sujos” Vicente Amorim faz seu filme mais irregular

Um dos escritores brasileiros mais festejados, Fernando Morais, ganha uma segunda adaptação de seus livros. E ainda não é “Chatô”. Quem dá sequência ao sucesso de “Olga” é “Corações Sujos”, que conta a história da Shindo Renmei, grupo japonês que, no interior do Brasil, se recusou a aceitar que o Japão foi derrotado na Segunda Guerra Mundial.
A trama é centrada em Takahashi, papel de Tsuyoshi Ihara, um fotógrafo que, por amor ao Japão, se recusa a aprender português, mesmo morando tanto tempo no Brasil. As coisas ficam complicadas quando o dever patriótico e o seu senso de honra fazem com que ele precise matar um “coração sujo”, japonês desonrado, que acha que o Japão perdeu a guerra, ou que ajuda o “inimigo”, que é, basicamente, qualquer não japonês.

O brasileiro Vicente Amorim faz de “Corações Sujos” seu filme mais irregular até então. O acerto mais óbvio envolve o ótimo elenco japonês (que deve ter dado um bom trabalho para ser recrutado e dirigido). Além de Tsuyoshi, se destacam Eiji Okuda, no papel do Coronel Watanabe, líder quase espiritual entre os seguidores cegos do imperador, e Takako Tokiwa, como Miyuki, esposa de Takahashi. Afinal, tirar boas interpretações de Wagner Moura, Claudia Abreu e Viggo Mortensen é relativamente fácil.

Outra bela surpresa está no uso de sequências com função mais lírica que narrativa, estilo de filmagem mais próximo do europeu (onde Amorim trabalhou, resultando no ótimo “Um Homem Bom”) e do oriental. Mas essas cenas, por melhores que sejam, acabam denunciando um problema central ao filme: a edição.

A questão é que poderíamos ignorar a total falta de profundidade dos personagens, considerando que os atores fazem milagre com o pouco material que possuem, além da beleza da reconstrução histórica e fotografia, caso a montagem do filme não tivesse sido tão descuidada. A colagem de cenas diz pouco ao conjunto da obra, dando pouca ou nenhuma noção de passagem de tempo. Além disso, há o desnecessário desfocar da imagem em determinadas cenas que, combinadas com uma trilha errática e irregular (forçando um drama, ou sublimação que simplesmente não aparecem em cena), colaboram para jogar o filme para baixo.

Falando em coisas desnecessárias, não dá para não apontar para a presença de Eduardo Moscovis, como o sub-delegado da cidade, e da pequena Celine Fukumoto, como Akemi. O primeiro simplesmente desaparece ao longo da projeção, sem nenhum motivo aparente. Enquanto a segunda, pelo jeito, só está ali para forçar um encerramento mais tocante para o espectador menos escolado em técnicas narrativas, ainda que seja uma criança bem simpática.

Amorim parece ter se apaixonado pelas possibilidades estéticas de forma que deixou o andar da narrativa solto. As imagens acabam tomando o lugar da história, que é tão importante de ser contada. Isso, claro, não diminui os méritos já citados do filme, mas compromete o resultado.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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