“Justin e a Espada da Coragem” deixa passar oportunidades de ser bom

Justin e a Espada da Coragem

A melhor coisa que se pode dizer da animação “Justin e a Espada da Coragem” é que, por ser uma produção espanhola, significa que não há mais monopólio sobre técnicas de computação gráfica. O filme é bem bonito, inclusive. Visualmente impecável, até. Por isso, é uma pena que o filme pise na bola, na verdade, em seu elemento mais básico: o roteiro.

Justin quer ser um cavaleiro, como seu avô, em um reino que os aboliu, a conselho de seu pai, que se tornou advogado – e, pior, quer que ele também seja um advogado. A única forma de conquistar seu sonho é partir em uma jornada atrás da mítica espada da coragem de seu avô, o que envolve passar por uma longa sequência de treinamento junto dos últimos cavaleiros disponíveis. Ao mesmo tempo, um cavaleiro renegado começa a reunir asseclas para invadir o reino e, justamente restaurar a era da cavalaria.

Os dois aspectos com maior potencial de interesse na trama são sub-aproveitados. O primeiro é a sociedade altamente burocratizada, mostrada na sequência de abertura – de longe, a melhor e mais engraçada. O segundo é o fato do herói e do vilão dividirem o mesmo objetivo, que é o de trazer os cavaleiros de volta. Tirando uma ou outra cena, no primeiro caso, ou diálogo, no segundo, pouco importa para o desenvolvimento da trama.

O que se perde é a oportunidade de fazer um importante comentário sobre como os meios justificam os fins. No caso, sobre como a paz pela burocracia limita as liberdades individuais ou sobre como ter objetivos em comum não implica em aliança direta. Ao invés disso, o filme se debruça em ser apenas mais uma das milhares histórias já contadas sobre como não devemos desistir dos nossos sonhos usando a trajetória do herói.

E, na verdade, não há nenhum problema em usar a trajetória do herói – aquela estrutura de se contar uma história sobre um herói escolhido nas estrelas que se aplica desde “Ilíada” até “Star Wars”. A questão é o ranço que vem com ela. Exemplo é o tempo de cena exagerado que o mago Melquiades tem. Isso porque na função narrativa que ele ocupa dentro dessa estrutura, o de alívio cômico, ele precisa ter esse espaço. Mas não funciona porque o personagem é ruim e completamente desconectado da história. Faria mais sentido vermos mais do caos burocrata.

O que sobra é o divertido relacionamento entre Justin e as duas personagens femininas, a princesinha Lara e a valente guerreira Talia. E o fato de haver duas mulheres de personalidades tão diferentes parece mais reflexo do momento em que vivemos, com princesas guerreiras ou, pelo menos mais auto-suficientes, do que uma vontade do filme em fazer um comentário sobre a diferença de como as mulheres eram retratadas nas animações (Lara) e como estão sendo agora (Talia). Esse alvo foi acertado, ainda que meio sem querer.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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