Economia de falas leva a explosão de sentimento em “Até o Fim”

Até o Fim

Ainda que pareça repetir a trama de “As Aventuras de Pi”, “Até o Fim” guarda mais semelhanças com outro grande vencedor do Oscar: “Gravidade”. Ainda que todos sejam filmes sobre uma pessoa que fica sozinha em um ambiente inóspito – tão vasto quanto misterioso – e sobre como não há escolhas e é preciso fazer o que for necessário para sobreviver, os dois últimos abraçam um realismo que não dá espaço para metáforas edificantes sobre religião. Nessa situação, é preciso escolher viver a cada instante.

“Até o Fim” acompanha Robert Redford como o personagem central (“Nosso Homem”, estampam os créditos). O conhecemos no instante em que seu calvário começa. Algo bate em seu pequeno barco bem no ponto em que está sua central de comunicações, criando um buraco que mina água. É um acidente tão aleatório e estúpido quanto a própria vida. Daí para frente é uma torrente de calamidades que não para de vir para cima do pobre sujeito, mas ele não está totalmente à mercê das intempéries e usa o está à mão para sobreviver. Coisa que vai ficando mais e mais complicada a cada dia que passa.

Sabemos bem pouco sobre esse Nosso Homem. E o filme não se esforça para nos contar mais. Não é esse o ponto – e é aqui que fica a maior aproximação com “Gravidade”. “Até o Fim” é uma reflexão existencialista sobre o que nos impulsiona, sobre como há vida se houver esperança. O que se traduz em uma verdade desesperadora quando fica claro que isso que também quer dizer que só há vida enquanto houver esperança.

O diretor J.C. Chandor aproveita o mote para fazer um belo exercício narrativo. O Nosso Homem fala, se tanto, duas frases o filme inteiro. O que quer dizer que foi preciso filmar de modo a deixar claro quais são as decisões tomadas pelo personagem e seus efeitos diretos. Isso também quer dizer que “Até o Fim” é um filme que não insulta nossa inteligência como expectadores ao fazer o personagem repetir tudo o que está fazendo para que possamos acompanhar o desenvolvimento da trama. Também não lança mão do truque mais barato de Hollywood, que é colocar um outro personagem que não entende nada de navegação para que ele possa ouvir tudo o que está acontecendo.

Parte do mérito é também de Redford, impecável como de costume. A determinação que vai dando lugar à frustração, o definhamento físico e mental, tudo é demonstrado por olhares, sem as muletas fáceis dos diálogos. Isso também faz com que o momento em que ele precisa extravasar, xingando bem alto, amaldiçoando o que quer que o tenha colocado nessa situação, se torne absolutamente marcante.

Uma pena, diante de tantas qualidades, que “Até o Fim” seja um filme que custou tão barato. Na maior parte do tempo, isso não é problema. Mas em cenas mais elaboradas, como na tempestade, fica claro que faltou dinheiro para fazer de forma mais convincente. E, a menos que essa seja uma intenção direta do diretor, nunca é bom quando o filme nos lembra que estamos vendo um filme.

Originalmente publicado no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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