“O Hobbit – Uma Jornada Inesperada” foi feito para agradar os fãs

O Hobbit: Uma Jornada Inesperada

Em geral, não se considera de bom tom que um texto que pretende analisar uma obra de arte seja baseado no gosto pessoal ou na memória afetiva do autor. Mas, para falar de “O Hobbit: Uma Jornada Inesperada”, resolvi trabalhar no campo da exceção. Começo, pois, com um aviso: eu gosto, e muito, da trilogia original “O Senhor dos Anéis”. Li os livros anos atrás, ao longo de minha adolescência e guardo as histórias de Tolkien com grande carinho, como parte da minha formação. Mas, se você não gosta, sinto lhe dizer que “O Hobbit” será uma tortura para você.

Isso porque não me parece que esse primeiro capítulo da nova trilogia esteja muito preocupado em angariar novos fãs. Talvez até o faça, mas a ideia aqui é aperfeiçoar todo o clima de aventura que já estava presente em “O Senhor dos Anéis”, com uma história que é ligeiramente menos sombria, com mais espaço para o humor do que a protagonizada por Frodo. Tudo para agradar o garoto de 15 anos dentro de todos nós que se divertiu muito lendo “O Hobbit”. Não que apenas garotos de 15 anos se divirtam lendo os livros, entendam.

A verdade é que se você chegou até aqui neste texto, provavelmente conhece a história. Mas vamos partir do pressuposto que não seja o caso, apenas para fins didáticos. Em “O Hobbit – Uma Jornada Inesperada” acompanhamos a história de Bilbo Bolseiro, interpretado por Martin Freeman. Ele acaba recrutado por Gandalf, novamente por Ian McKellen, para integrar um grupo de 13 anões que pretende retomar Erebor, o reino sob a montanha. Os anões foram expulsos de lá por um dragão, chamado Smaug. Mas, mais do que a jornada em si, o que conduz a narrativa são as dúvidas de Bilbo em relação a si mesmo, afinal, o que um pequeno Hobbit do Condado, que nunca empunhou uma espada, pode fazer contra um dragão?

A divisão da história em três filmes, que parecia exagerada e apenas motivada por ganho financeiro, acaba tendo um fim narrativo bem aproveitado. O diretor, Peter Jackson, acaba usando o tempo extra para apresentar com calma o universo fantástico de Tolkien, bem como os personagens centrais. Especialmente Bilbo, Gandalf e Thorin Escudo de Carvalho, que é o líder da companhia dos 13 anões. Por outro lado, é curioso notar que os anões formam mais uma massa numérica, sendo pouco explorados individualmente, com algumas exceções. Alguns deles parecem desaparecer ao longo da projeção. Não que faça falta, na verdade.

O aproveitamento do tempo já fica evidenciado na primeira sequência, em que Jackson mostra, com toda calma, todo o conflito entre o dragão e os anões. E vai ser difícil tirar da cabeça, tanto o esplendor de Erebor, quanto a ferocidade do ataque de Smaug. Isso, sem chegar a mostrar o dragão de corpo inteiro nem mesmo uma única vez, fazendo dele mais uma entidade do que um antagonista. Um pouco como Sauron, na “Trilogia do Anel”.

Isso porque o antagonista aqui é Azog, um grande Orc albino que jurou acabar com a linhagem de Thorim. Os fãs mais xiitas podem até reclamar, considerando que Azog não está no livro, mas a verdade é que, por uma questão de regras básicas de narrativa cinematográfica, é necessário um conflito geral mais palpável. Se Smaug, ou mesmo o Necromante, só poderão ser explorados nos próximos filmes, melhor que o conflito seja com o tal Azog. E ele é assustador o suficiente para este primeiro filme.

Jackson acerta mão muito bem na hora de dar ritmo à história, alternando cenas mais calmas, que são, em geral, bem engraçadas, com a ação para lá de vertiginosa, ainda que peque com alguns diálogos expositivos demais. Dessas grandes cenas, já deve entrar para a história a batalha de gigantes de pedra como um dos grandes destaques, além da já citada sequência de abertura.

Ainda assim, a melhor passagem, de longe, fica nas mãos de Andy Serkis, que volta ao seu papel como Gollum/Smeagol. Seu diálogo com Bilbo (e consigo mesmo), tirado diretamente de um dos capítulos mais divertidos do livro, o “Advinhas no Escuro”, é cheio de humor e tensão. Coisa que é facilitada por Freeman, acostumado a papéis mais humorísticos. Sua cara de “o que diabos está acontecendo aqui”, enquanto Gollum faz suas loucuras, é simplesmente hilária. E é uma pena pensar que o pobre Gollum não estará nos próximos filmes.

E insisto, todas essas qualidades são mais facilmente percebidas para gente como eu e você leitor, que também se divertiu e se emocionou com “O Senhor dos Anéis”. E sim, você vai se indignar com todas as pessoas que sairão do cinema reclamando que o filme é ruim “porque não tem final”.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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