O Juiz

Robert Downey Jr. e Robert Duvall em O Juiz

Já na saída da exibição para a imprensa de O Juiz um colega comentava sobre o quão repetitivas eram essas tramas de volta às raízes de que o filme se alimenta. Há um bocado de razão nisso. A sorte é que, primeiro, essa é uma estrutura formal de roteiro que rende sempre boas histórias humanas e, segundo, neste trabalho em específico, responde apenas pela superficialidade imediata da trama.

Na trama Robert Downey Jr. faz Hank Palmer, um advogado especializado em livrar criminosos ricos da cadeia. Quando recebe a notícia da morte de sua mãe precisa sair de sua amada Chicago para a cidadezinha em que cresceu (de onde fugiu sem olhar para trás depois da faculdade). Resolvidas as obrigações fúnebres, ele é impedido de voltar por um motivo urgente: seu pai, Joseph Palmer (Robert Duvall), o juiz do título, é acusado de ter atropelado e matado um homem.

Por um lado, o arco dramático de Hank é mesmo o de retorno às raízes. O de estar em paz com seu passado procurando encontrar seu eu verdadeiro nesse espaço que há entre o que ele foi e o que ele procura ser. Para isso estão lá os irmãos Glen e Dale (Vincent D’Onofrio e Jeremy Strong) e a namoradinha de adolescência Samantha (Vera Farmiga), além do próprio pai. Cada um respondendo de forma diferente a um aspecto de sua personalidade.

Ao mesmo tempo há a doce relação com sua filha, a adorável Lauren Palmer (Emma Tremblay), que simboliza parte de sua projeção para o futuro. Ele está se separando da mãe da criança e se divide entre o carinho que tem por ela (a criança) e o amor que tem pelo seu trabalho. E é exatamente nesse ponto que entra o lado mais profundo do filme.

Hank é a quintessência do estereótipo cinematográfico do advogado americano moderno: mais preocupado em quanto seus casos podem lhe render do que na legitimidade das causas ou do pelo princípio de que todos merecem uma defesa para que haja justiça. Na outra ponta desse espectro está seu pai encarnando o juiz durão de cidade do interior, que se recusa a abraçar as linhas de defesa propostas pelo filho por ferirem seu código moral. Ele representa a geração idealista dos anos 60 e 70, que assumiam processos pela causa, deixando o dinheiro como uma preocupação secundária.

Os outros advogados que orbitam o filme também funcionam como variações distorcidas do juiz. Seja o assistente improvisado de Hank, C.P. Kennedy (Dax Shepard), que une inexperiência e bom coração, seja o cruel promotor Dwight Dickham (Billy Bob Thornton), que duela em pé de igualdade trabalhando na acusação. Todos são advogados menos habilidosos que o personagem de Downey Jr., mas que trabalham em causas em que acreditam, funcionando também como oposição no espectro moral.

O Juiz só funciona por conta de Downey Jr. que – detratores acusarão com razão – repete sua performance padrão, fazendo de Hank uma espécie de Tony Stark/Sherlock Holmes da vida real. Aquele tipo de pessoa que não se contenta em saber que é a mais esperta em um lugar e quer que todos saibam disso também. Por isso o personagem ganha muitas e muitas falas rápidas e espertas que deixam as pessoas à sua volta desconcertadas. É Robert Downey Jr. interpretando o que provavelmente Robert Downey Jr. pensa sobre si mesmo. O que cai como uma luva para o filme.

Diferente da mão pesada do diretor David Dobkin que, estranhamente, abusa de alguns maneirismos sem sentido. A maioria deles fica com a contraluz, que dá uma aura transcendental para alguns personagens, sem a menor razão de ser. No máximo funcionam de forma contra-produtiva, nos lembrando que estamos vendo um filme e nos pondo para fora da narrativa. Seria melhor se fosse um pouco mais burocrático.

Nada que chegue a comprometer o filme, que ainda vem recheado de uma interessante carga dramática. Especialmente nas ótimas interações entre Duvall e Downey Jr., que é parte da razão de ser de O Juiz. O resultado final é agradável e, com sorte, pode até significar que teremos um ou outro advogado idealista no futuro. Ainda que seja altamente improvável.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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