“Quarteto Fantástico” funciona sem os heróis

É possível que se este novo “Quarteto Fantástico” não tivesse que, em algum momento, se tornar um filme de super-heróis, com um mínimo de dilemas morais e batalhas cartunescas, o resultado final tivesse sido mais interessante. Os melhores momentos do filme estão em seu começo, que resgata o espírito de alguns clássicos dos anos 80, como “Viagem ao Mundo da Imaginação” (clima recriado recentemente em “Super 8”), e se desenvolve em uma ficção científica para toda a família. Mas tudo isso dura só até o ponto em que os personagens ganham suas novas habilidades sobre-humanas.

A parte curiosa é que os poderes e as batalhas são o que justifica o filme, para começo de conversa. É uma adaptação dos quadrinhos, afinal. Mas, quando chega nessa parte, há uma quebra de ritmo danosa ao andamento da trama. Fica difícil conciliar o arco final, apressado e descuidado, com o que foi mostrado até então. Todo o desenvolvimento dos personagens fica em segundo plano, a serviço de nada. Tudo graças à falta de harmonia entre esses dois momentos.

A força de “Quarteto Fantástico”, portanto, está na ambientação e construção de personagens. Começando por Reed Richards (Miles Teller), um jovem gênio que ainda criança consegue desenvolver um método para teletransportar matéria. Sem saber, porém, ele descobriu uma maneira de ir e voltar para outra dimensão, o que atrai a atenção de Franklin Storm (Reg E. Cathey), um cientista idealista que enxerga nisto uma possibilidade de salvar o nosso próprio planeta de nossos problemas ambientais. É quando ele conhece Sue Storm (Kate Mara), Jonnhy Storm (Michael B. Jordan) e Victor Von Doom (Toby Klebbel).

Eles, eventualmente, junto de Ben Grimm (Jamie Bell), amigo de infância de Reed, vão parar na outra dimensão, onde ganham seus poderes e acabam sendo usados como armas pelo governo americano até entrar em confronto com o Doutor Destino. E como a coisa acontece no filme mais ou menos com essa mesma velocidade, a parte importante é o que acontece até ali. Especialmente em relação a Reed e seu olhar deslumbrado para o mundo de possibilidades que aquele laboratório de ponta lhe oferece, seu trabalho de colaboração com outras pessoas que entendem tanto de física quanto ele e o desenvolvimento do teletransportador.

Com isso, cria-se a ideia de laço familiar que é tão importante para as histórias do “Quarteto Fantástico”. Mas, ao invés de termos Reed e Sue como as figuras paternas, Ben como o tio rabugento e Johnny como o jovem filho/sobrinho rebelde (a dinâmica dos dois primeiros filmes, de 2005 e 2007), temos quatro mais ou menos órfãos que enxergam em Franklin uma figura paterna.

O que também justifica a oposição entre os quatro e o Doutor Destino. O vilão é essencialmente o individualista supremo, que não tolera colaboração e não aceita dividir créditos. Quando se torna superpoderoso, só pensa em dizimar a humanidade para se tornar um deus solitário. É menos amargura e mais desprezo pelo potencial coletivo. O Quarteto, ao contrário, existe imbuído de um ideal de coletividade profundo, que é antecipado pelos discursos de Franklin tentando motivar sua equipe. E a vitória só chegará quando eles conseguirem superar suas diferenças e trabalhar em conjunto.

Mas essas qualidades são poucas e periféricas demais para suplantar a quebra de ritmo do terço final. A consequência dela é nos lembrar que estamos vendo um filme, tirando-nos do mergulho narrativo que é necessário em filmes de fantasia e ficção científica, que exigem muita suspensão da descrença. Com isso, os detalhes incômodos começam a saltar aos olhos. Johnny repentinamente já não precisa mais apertar botões em sua roupa para controlar seus poderes, Reed sai de mal se manter em pé para um habilidoso lutador e Sue em poucos minutos controla com perfeição seus campos de força. E isso só para ficar na rápida batalha final (que é até que bem coordenada, vá lá). Imagina o resto?

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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