“Um bom roteiro é o que conta uma história”, diz Guillermo Arriaga, em entrevista ao POP

A pele branca e os olhos azuis não denunciam facilmente, para quem não o conhece, a origem mexicana de Guillermo Arriaga. Autor dos textos originais de “Amores Brutos”, “21 Gramas” e “Babel”, além de ter dirigido “Vidas Cruzadas”, Arriaga acabou se tornando um dos mais inventivos, por sua originalidade em tempos de remakes e continuações, roteiristas de nosso tempo.

Vestido como um gringo, de calça e camisa em tons cáqui, Arriaga estava cansado. Veio ao Brasil para uma palestra de dois dias sobre roteiro, através do projeto Ficção Viva. Suas técnicas e estruturas, completamente distintas do convencional (chegou a se dizer ofendido quando via pessoas elogiarem a edição de filmes como “21 Gramas”, já que a estrutura já estava pensada no roteiro). Ainda assim, teve disposição para uma rápida conversa comigo sobre sua formação, carreira e preferências.

Como você se tornou um roteirista?

Bem, o inicio de minha carreira é em comunicação, com mestrado em História, Política e Economia. Passei 17 anos ganhando dinheiro escrevendo para um jornal, depois comecei a escrever para rádio e televisão. Mas o curso não me ensinou a escrever. Mas matérias que escrevi me permitiram me tornar um escritor de romances. Depois de publicar os romances, começaram a comprar os direitos deles para transformar em filmes. Aí um produtor me perguntou se eu poderia fazer a adaptação e eu disse: ‘claro, por que não?’ E comecei a escrever sem nenhuma preparação. Eu não sabia [das técnicas clássicas de roteiro] dos três atos, do ponto de virada.

E qual é a maior diferença entre um romance e um roteiro?

Penso que a maior diferença é da pessoa. Da pessoa narrativa. Em geral, o cinema se narra em terceira pessoa. Há muitas exceções, mas, em geral, o cinema é fundamentalmente em terceira pessoa, ainda que se tente fazer em primeira pessoa, diferente do romance que te permite a primeira e a segunda pessoa.

Qual é a característica de um bom roteiro?

Creio que a melhor maneira de definir o que é um bom roteiro é ver se ele conta uma história. Que sabe contar a história, e, ao contá-la, a história emociona, questiona e comove, significa que está bem escrito.

Em seus trabalhos, vemos diferentes arcos que se cruzam. O que isso te possibilita, que uma narrativa convencional, linear, não consegue?

Eu não acho que seja uma questão de possibilidade, ou não possibilidade. Eu acho que cada história tem uma maneira orgânica de ser contada. Não podemos colocar todas as histórias em uma mesma estrutura.

Você falou, em sua palestra, dos malefícios das novelas para os roteiros latino-americanos, especialmente para diálogos. Mas você usa diversos arcos narrativos, assim como em uma novela. É possível dizer que há uma influência?

Eu acho que não tem nada a ver com as novelas. Penso que tem mais a ver com minha formação de teatro. Se você pensa nos clássicos gregos… “Épido Rei” é uma história de família. “Macbeth” é uma história de família. “Romeu e Julieta” é uma história de famílias. “Hamlet” é uma história de famílias. Então como me voltei para o teatro grego e me voltei para Shakespeare, eles acabaram se tornando parte fundamental de meu trabalho.

E é o que te interessa?

Me interessa, claro! Alguns anos atrás eu estava montando Shakespeare, então acabei aprendendo algo disso.

Quais foram os filmes que você viu, nos últimos anos, que te interessaram?

Que eu gostei? Gostei de “Contra a Parede”, de Fatih Akin. Tem um filme que gostei muitíssimo, que se chama “Indomável Sonhadora”.

Ainda não chegou aqui.

Também não chegou no México, mas estive em Los Angeles e tive a sorte de assistir, é um grande filme. Gostei muito de “A Queda! As Últimas Horas de Hitler”, um filme alemão. Inclusive eu gostei muito de “Cidade de Deus”, de “Madame Satã”, “Tropa de Elite”. “Ônibus 174” é uma obra-prima.

Então está interessado na versão de José Padilha para “RoboCop”?

Claro! Estou interessado em “RoboCop”! Quero saber que mundo nos trará Padilha. Respeito muito o trabalho dele.

No cinemão hollywoodiano, há algo que te interessa?

Tudo me interessa. Hollywood, para começo de conversa, é produtora de filmes como “Touro Indomável”, produtora de “O Poderoso Chefão”, partes um e dois. É produtora de uma série de filmes importantes. Então, não se pode pensar em Hollywood apenas por ser Hollywood. Coisas como puro entretenimento, como “Indiana Jones”, ainda são interessantes. Outro filme que podemos dizer é “Seabiscuit – Alma de Herói”, é um filme de Hollywood, mas é bem interessante. Eu acho que é um erro de muitos latino-americanos que nutrem fobias e horrores para com a cultura americana, e os descarregam sobre o cinema americano. E não podemos duvidar que foi Hollywood que nos trouxe os grandes mestres.

Há um pensamento que diz que se você quiser ser um autor, deve sair de Los Angeles e ir para Nova York para a televisão. Porque Hollywood não está interessada em novas ideias, mas a televisão está. E você está trabalhando em uma série. Você pode falar sobre as diferenças?

Eu não acho que se tenha que mudar de Los Angeles para Nova York. Eu acho que sempre vai haver espaço para fazer cinema interessante e sempre vai haver espaço para televisão interessante. Temos que encontrar esses espaços e não desqualificar de nenhuma maneira um ou outro. Com a crise econômica esses espaços diminuiram um pouco, porque os estúdios se preocupam mais com retorno e lucro, mas sempre haverá cinema de qualidade.

Em sua palestra, você falou muito sobre “perguntas narrativas”(segundo Arriaga, o filme é construído à medida que as cenas vão lançando perguntas narrativas; quem é esse personagem? qual sua motivação? etc…). Qual é a necessidade de se responder essas perguntas?

Não. Nem todas elas precisam ser respondidas. É preciso deixar um mistério para o personagem. Se o público me pergunta o que aconteceu, digo: “não sei”.

Por fim, qual a importância da ficção?

A necessidade é a curiosidade do ser humano pela ficção. Às vezes a gente satisfaz nossa curiosidade pela ficção através dos estudos, da ciência ou das coisas documentadas. Por exemplo, se quiser saber sobre Poder, há um sobre Poder chamado “O Poderoso Chefão”. É isso que creio que leva as pessoas ao cinema. Que vemos isso de uma forma que pode ser verificada em outros momentos, em outros lugares.

Publicado originalmente no Portal POP.

Sobre o autor Veja todos os posts

Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

1 ComentárioDeixe um comentário

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *