Denso, introspectivo, provocativo e auto-consciente. Essas são quatro das características centrais de “Entre Nós” e que se tornam ainda mais impressionantes por serem absolutamente raras no cinema nacional, em geral verborrágico, externo e leviano. Por isso, os diretores Paulo e Pedro Morelli, pai e filho, alcançam algo mais do que o drama doméstico que têm em mãos como ponto de partida. O que fazem é um duro comentário sobre a ressaca da geração brasileira pós-84.
O filme começa em 92. Sete amigos, ainda jovens, com toda a vida pela frente, aproveitando um final de semana em um sítio. Dois fatos são marcantes: cada um enterra uma carta para ser lida em 10 anos; um acidente de carro que termina em tragédia. Corta para 10 anos depois. Eles se encontram no mesmo lugar para, finalmente, abrir a caixa com os textos para si mesmos, manifestação real de tudo o que eles poderiam ter sido e tudo o que eles não são de verdade.
Nunca fica exatamente claro quem eles são fora do universo do sítio. A ocupação de alguns é mencionada, mas, se não é relevante para a trama, nunca aprofundada. É até engraçado ver a frustração de um deles com seu dia a dia, sendo que nunca chegamos a saber se ele é funcionário público, segurança de shopping ou vendedor de enciclopédia. O que importa é como eles são e como reagem uns aos outros dentro daquele microcosmo específico. E só.
O resultado óbvio é a melancolia que existe quando percebemos que nos tornamos o tipo de pessoa que mais odiamos. Mas “Entre Nós” vai além. Quando as cartas são abertas, já somos íntimos de cada personagem. Sabemos quem mente para todos e para si, quem leva a vida medíocre e quem quer mais para o futuro. O resultado menos óbvio, portanto, é mais cruel. Porque alguns deles se tornam exatamente quem queriam ser, coisa que não é exatamente boa considerando que eles não tinham lá muita noção das coisas.
São três veios narrativos centrais, que não cabe detalhar para não estragar surpresas do filme. Mas delas, a do escritor atormentado vivido por Caio Blat e a do casal de críticos literários interpretados por Júlio Andrade e Martha Nowill são as mais interessantes. E que funcionam bem dentro desse panorama. São tão interessantes que tornam o tempo gasto com a subtrama de Carolina Dieckman e Paulo Vilhena uma tortura. Os personagens são tão inexpressivos quanto os atores. Além de ser prova que mesmo um filme desses tem lá suas concessões a fazer.
Os Morelli conseguem um feito maior pelo simples fato de situar a história em 92 e em 2002, anos determinantes no cenário político nacional. Ano dos caras pintadas e da eleição do PT, o partido de esquerda que iria mudar o país – e, de alguma forma, mudou. Dois momentos, intimamente conectados, em que o país parecia que poderia dar certo. Por isso aquela chácara acaba se tornando uma representação do próprio cenário brasileiro. E, depois de tudo o que acontece por lá, parece que a única saída é o cinismo. Não há espaço para nenhuma outra reação.
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Publicado originalmente no Portal POP.
[…] “Entre Nós” é um filme raro no Brasil de 2014. Introspectivo, sensível e bonito. E, talvez mais importante, todo esse efeito planejado. Ao menos é o que parece na fala de Paulo Morelli, co-diretor, que falou um pouco sobre seu trabalho em uma entrevista por telefone. […]