Em dado momento, não muito longe do começo do filme, Grace diz para Loki, o policial encarregado do caso, – papéis de Maria Bello e Jake Gyllenhaal – que sua filha está apenas escondida, como em uma brincadeira de criança que não mede as consequências de seus atos. O oficial pergunta se há algo que a leva a crer que isso seja verdade e ela responde que só pode ser isso, tem que ser isso. O que não é dito, porém, é que ela precisa se apegar a essa ideia com todas as suas forças, porque a alternativa é terrível demais. É desse tipo de subtexto, repleto de silêncios que são mais profundos que os diálogos, é de que é feito “Os Suspeitos”.
O desaparecimento das duas pequenas garotas, filhas de Keller e Grace Dover e Nancy e Franklyn Birch, interpretados por Hugh Jackman e Maria e Viola Davis e Terrence Howard, é o que move a trama. Logo um primeiro suspeito é preso. Alex Jones, papel de Paul Dano, um rapaz que não chegou a se desenvolver intelectualmente e, mesmo adulto, mantém a mentalidade de uma criança de 10 anos. Ele é liberado por falta de provas, o que faz com que o desespero das famílias só aumente.
De certa forma, é nesse ponto que o filme começa de verdade. De um lado acompanhamos um ótimo thriller criminal, com o detetive Loki investigando o caso e tentando encontrar as crianças. De outro, o profundo drama de Keller, que decide fazer o que for possível para resgatar sua filha. Isso inclui, ele próprio, sequestrar Alex e torturá-lo até que ele revele o paradeiro das meninas. O que não é em nada facilitado pela sua limitação intelectual – ele fala pouco e o pouco que fala precisa ser decifrado.
Com isso Denis Villeneuve, o diretor, consegue transformar seu thriller em comentário social. Pois o filme é sobre como estamos dispostos a mudar ou ignorar as leis – base para que a sociedade funcione – quando algo nos afeta diretamente. Mesmo antes de resolver sequestrar Alex, por exemplo, Keller pede para Loki `dar um jeito` de mantê-lo preso. Coisa que é absolutamente ilegal, se não há motivo. E como ele é um pai de família de classe média, dobrar a lei não significa colocar detetives particulares, advogados ou oferecer recompensas. Significa intervir diretamente.
Não é forçar a barra dizer que o filme também serve como alegoria política – não precisa ser lido dessa forma, mas serve. Afinal, os EUA também usam tortura e declararam guerra para países tendo como razão para isso a mera possibilidade de se encontrar armas químicas (coisa que, salvo engano, não foi encontrada). Keller não tem muito mais do que uma suspeita. E, mesmo assim, resolve quebrar a lei, tanto a dos homens quanto a de Deus (o filme abre com ele rezando o Pai Nosso, o que reforça seu drama pessoal), fazendo algo que vai contra tudo em que acredita. Por um bem maior, pensa.
“Os Suspeitos” parte de onde Clint Eastwood parou em “Sobre Meninos e Lobos”. Mas, graças à tensão narrativa, conduzida com maestria ao longo das duas horas e meia de filme, ele consegue chegar ainda mais longe. Raspando em Hitchcock – devidamente homenageado, inclusive. Coisa para poucos.
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Publicado originalmente no Portal POP.
[…] discussão era sobre a identidade, como ela se forma e como se mantém depois de um trauma. Já em “Os Suspeitos” e “Sicario”, a questão moral preenche a […]