Como a HBO vem trabalhando para garantir as surpresas da temporada final de Game of Thrones, seu maior sucesso
Em 2016 o então Presidente Barack Obama fez o pedido e recebeu da HBO episódios de Game of Thrones antes de irem ao ar. “Quando o homem no comando diz que quer ver os episódios antes de todo mundo, o que você pode fazer?”, disse David Benioff, um dos criadores da série para a Entertainment Weekly. No final do ano passado Zack Thoutt, um engenheiro de software, treinou uma rede neural para entender a escrita de George R. R. Martin, autor das Crônicas de Gelo e Fogo, para prever como acabaria a história. Os primeiros capítulos, confirmando várias teorias de fãs, podem ser encontrados pela internet com certa facilidade.
Na semana passada, em um leilão beneficente, Brad Pitt esteve disposto a desembolsar 120 mil dólares para assistir episódios de Game of Thrones ao lado de Emilia Clarke, intérprete da icônica Daenerys Targaryen na trama. Perdeu para um anônimo disposto a doar 180 mil dólares. Ainda na semana passada, em seu tradicional monólogo de abertura, Stephen Colbert, o mais popular apresentador de talk show estadunidense, comparou seu público que enfrentou a nevasca de Nova York para estar ali presente à Patrulha da Noite, grupo paramilitar da série que enfrenta as gélidas temperaturas do Norte de Westeros, o continente fictício criado por Martin.
São exemplos, ainda que pontuais, que mostram como a HBO alcançou o Santo Graal do conteúdo ficcional: a penetração na cultura pop de forma tão naturalizada que uma piada aleatória em um talk show da TV aberta pode usar elementos da série sem nem mesmo apresentar contexto ou sequer mencionar seu nome. São raros os exemplos de produtos culturais que naturalizam sua presença na sociedade desta forma, como aconteceu com Star Wars ou Harry Potter.
Então, na sexta-feira, 5 de janeiro, a HBO oficializou a informação que havia sido adiantada pelo Hollywood Reporter em agosto do ano passado: a oitava e última temporada de Game of Thrones só irá estrear em 2019, sem especificar o mês. Legiões de fãs em choque. O anúncio oficial informa que serão seis episódios, dirigidos pelos criadores e showrunners David Benioff e D.B. Weiss, além de David Nutter, já responsável por nove outros capítulos, e Miguel Sapochnik, diretor de dois dos mais celebrados capítulos até então: Hardhome, de 2015, e Battle of the Bastards, de 2016.
Desafios
A demora envolve, em parte, o escopo da produção. Apesar de serem seis episódios, é de se esperar que eles sejam mais longos. Na sétima temporada três capítulos ultrapassaram a marca de uma hora e outros dois fecharam em 59 minutos. Liam Cunningham, o ator que vive Ser Davos Seaworth, afirmou para o TV Guide que “os episódios definitivamente deverão ser maiores e pelo que ouvi mais longos. Vamos filmar até o verão [do Hemisfério Norte]”, no meio do ano, portanto.
Muito da dificuldade é devido a complexidade da produção e filmagens, que envolve uma elaborada e criativa mistura de cenários construídos, com modelagem 3D, marcenaria e pintura; e locações reais, que se desdobram em custos de deslocamento, acomodações e imprevistos com intempéries climáticas – filmar na neve ou no litoral é sempre uma incógnita. Acabadas as filmagens, começam os trabalhos com pós-produção, edição e efeitos especiais. Aqueles dragões, mais realistas a cada temporada, não se fazem sozinhos.
Finais alternativos
A HBO também notou que o atraso de dois meses no lançamento da sétima temporada beneficiou a audiência. Com a estreia em julho, ao invés de abril, como aconteceu com todas as outras, os fãs tiveram ainda mais tempo para divulgar espontaneamente e cultivar ainda mais a ansiedade. A mesma coisa deve acontecer ao longo de 2018. A espera também aumentou muito a chance de vazamentos de surpresas da trama – quem morre, quem vive, quem se encontra com quem – ou mesmo de episódios e roteiros completos, fruto de invasões de hackers nos servidores da emissora.
No passado, três versões de cenas do aguardado encontro entre Kit Harrington e Emilia Clarke foram filmadas para evitar que os fãs conseguissem descobrir detalhes sobre o evento. O intérprete do sempre angustiado Jon Snow chegou a confessar em uma entrevista no programa Jimmy Kimmel Live! que a produção gastou mais de 15 horas em filmagens para confundir eventuais drones que sobrevoaram as cenas de uma locação. Não deu muito certo e sites semi-profissionais dedicados a Game of Thrones, como o sempre atento Watchers on the Wall, foram capazes de deduzir boa parte do que e como aconteceu o encontro.
Mesmo assim esta é parte da estratégia para manter o sigilo dos momentos finais da série. Clarke disse ao The Telegraph que D.B. Weiss e David Benioff “escreveram vários finais diferentes e ninguém do elenco sabe como o final de fato é. Se há algum vazamento, não acredite porque provavelmente não é verdade”. Se não deu certo como ação de fato, talvez funcione como campanha de difamação, trabalhando, como a fala da atriz indica, para que qualquer rumor seja desacreditado preventivamente.
Muito da preocupação de Benioff e Weiss com a preservação das surpresas da trama acontece por eles terem ultrapassado os livros de de Martin, que ainda está para publicar os dois tomos finais. Em entrevista para a Vanity Fair Benioff disse que “ano passado nós fomos para Santa Fe por uma semana para sentar com Martin e conversar sobre para onde as coisas estavam indo porque nós não sabíamos se íamos conseguir acompanhar e onde exatamente isso ia ser. Se você sabe o final, então você pode fazer o trabalho de base para isso. Então queremos saber como tudo termina. Queremos poder estabelecer as coisas. Então sentamos com ele e literalmente repassamos cada personagem”. O que quer dizer que, neste momento, é provável que pouco mais de três pessoas saibam como tudo deverá terminar.
Pirataria
Apesar da audiência de Game of Thrones aumentar exponencialmente a cada temporada – mesmo com boa parte da crítica questionando os rumos da trama das duas últimas, justamente as que não têm lastro com os livros – a HBO segue como uma das produtoras mais preocupadas com pirataria. Roteiros e episódios da sétima temporada vazaram e um hacker, identificado como o iraniano Behzad Mesri, chegou a pedir 6 milhões de dólares em bitcoins de resgate, pedido que foi prontamente negado pela emissora. Até mesmo a Google foi acionada para tentar coibir a pirataria. Pouco adiantou.
A sétima temporada de Game of Thrones, segundo um estudo feito pela empresa de monitoria MUSO, foi assistida de forma ilegal mais de um bilhão de vezes, batendo uma espécie de recorde não-oficial. É pouco provável, mas ainda que a HBO consiga evitar que os episódios sejam hackeados, depois deles irem ao ar é quase impossível evitar a pirataria. Milhões de pessoas alimentam os sistemas de trocas que operam independente da indexação em motores de busca, como o da Google.
A mais eficiente medida contra a pirataria, porém, talvez tenha sido dada pela HBO em dezembro de 2016, quando seu sistema de streaming, o HBO Go, foi finalmente liberado para uso do grande público. Até então, apenas quem assinava a HBO via cabo poderia usar o serviço. A ideia principal é concorrer diretamente com sistemas semelhantes, como a Netflix ou o Amazon Prime, que já operam de forma sólida no Brasil, ou mesmo com o Hulu, recém-adquirido pela Disney na compra da Fox.
Um efeito colateral bem-vindo, porém, pode ser justamente o de coibir a pirataria, já que o acesso em boa qualidade em qualquer canto do mundo é uma das principais ferramentas contra o consumo ilegal de produtos audiovisuais. Ainda em sua versão limitada aos assinantes do serviço a cabo, o HBO Go entrou em total colapso em todas as noites de domingo entre julho e agosto de 2017, quando os episódios da sétima temporada foram ao ar. O mesmo aconteceu com o HBO Now, variante estadunidense do serviço. Um porta-voz da HBO chegou a comemorar o sucesso dos acesso, calculados em 25 milhões em média por capítulo, correspondendo a 40% da audiência total, mas ficou claro que usaram uma estimativa modesta para projetar os servidores.
A Netflix teve o benefício de desbravar o mercado de streaming enquanto, aos poucos, tornou seu nome um sinônimo deste tipo de serviço. O crescimento dos acessos era gradual e medidas para evitar panes foram implementadas com sucesso. A HBO nunca teve este benefício. Desde os anos 90, com séries como Família Sopranos e A Escuta, se estabeleceu como a principal produtora de TV de qualidade, fama que apenas se solidificou com o sucesso estrondoso de Game of Thrones. Ao simplesmente transferir parte significativa de sua enorme audiência para a internet, os servidores não aguentaram.
O espaço de um ano vai dar tempo para que a HBO possa melhorar seu serviço, testando com outros lançamentos menores que devem aparecer até lá. Enquanto isso, só resta aos fãs se apegar às reprises e releituras.
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Texto publicado originalmente na edição impressa da Gazeta do Povo.