Há um momento em que os grandes estúdios chegam a um ponto de saturação em relação a um gênero, permitindo que cineastas autorais tomem as rédeas e o pervertam. Aconteceu com o cinema de vampiro, que alcançou esse ponto em “Crepúsculo”, sendo retrabalhado depois com Jim Jarmush e seu belo e poético “Amantes Eternos”. Com os épicos de fantasia que dominaram os cinemas nos últimos anos aconteceu o mesmo. Depois de vários títulos, como “Branca de Neve e o Caçador”, “Alice no País das Maravilhas” ou mesmo “A Garota da Capa Vermelha”, pensava-se que o ponto de virada viria com este “Peter Pan”, dirigido por Joe Wright. Mas ainda não foi desta vez. Leia mais
AutorLuiz Gustavo Vilela
Atravessar o espaço entre as Torres Gêmeas do World Trade Center se equilibrando em um cabo de aço é o momento definidor da vida de Philippe Petit, até então um simples artista de rua de Paris. Seu ato, ao mesmo tempo, se tornou definidor das estruturas gigantescas de aço e concreto que se destacavam no horizonte de Manhattan. Pelo menos, até o 11 de setembro de 2001, quando elas vieram abaixo na maior ação terrorista realizada em solo americano do último século. Ao celebrar, porém, um ato artístico que ressignificou aquele espaço, “A Travessia” celebra não apenas a coragem, habilidade e persistência do artista, mas também a própria estrutura arquitetônica que desafiou os limites do gênio humano. Leia mais
O interesse cinematográfico no boxe é meio óbvio. Os filmes terminam com uma grande luta, que é a materialização dos confrontos internos do personagem. Todos os seus conflitos se tornam feridas ensanguentadas, socos que explodem em suor e que exigem toda força do protagonista, que mal consegue ficar de pé. Uma luta de boxe no clímax ajuda, e muito, na hora de nos colocar na ponta da cadeira, segurando a respiração, esperando que, a cada soco, um dos dois lutadores caia, finalmente, em câmera lenta, rumo à lona. Isso explica a quantidade de (grandes) longas que colocam boxeadores no centro de suas tramas, movimento que desemboca neste “Nocaute”. Leia mais
A rotina massacrante do dia a dia leva Shaun, o simpático e engenhoso carneirinho, a uma decisão radical: dar um golpe no fazendeiro para curtir um dia de folga. Mas é claro que as coisas não saem como o esperado e ele vai precisar usar de toda a sua astúcia para conseguir salvar o dia. Há toda uma afiliação em tramas de comédias leves com esse tom, desde “A Felicidade Não Se Compra” até “Esqueceram de Mim”, passando por “Curtindo a Vida Adoidado”. Um misto da consciência de que a vida é massacrante, com o velho adágio do “cuidado com o que desejas”. Mas a estrutura e a mensagem edificante ficam em segundo plano ante a ambição da Aardman de fazer um filme (praticamente) mudo. Leia mais
Logo na primeira sequência de “O Agente da U.N.C.L.E.”, fica claro que estamos diante de um filme que está interessado em ser cinema. Napoleon Solo (Henry Cavill) precisa passar pelo Checkpoint Charlie, do lado ocidental para o oriental de Berlim. Com alguns closes e cortes rápidos, ficamos sabendo que ele está atento a tudo o que está a sua volta. Quer dizer que os enquadramentos e movimentos de câmera são tão importantes para contar a história e apronfundar as características e relações entre os personagens quanto os diálogos ou as tramas em si. Esta talvez seja a primeira vez, depois de 20 anos de carreira como diretor, que os maneirismos de Guy Ritchie, herdados do auge da era do videoclipe, tenham sido usados em favor da narrativa e do estabelecimento de um clima dramático sólido. Leia mais
Antes de qualquer imagem, há um aviso sobre como os eventos mostrados em “Narcos” são inspirados em fatos reais e que qualquer situação que se pareça com a realidade deve ser tratada como coincidência. O anúncio, dúbio por sua própria natureza, que será repetido no começo de todos os dez episódios, é logo seguido por uma explicação sobre o Realismo Mágico, estilo literário colombiano por excelência, que ficou notório pelos livros de Gabriel García Márquez. A ideia é que elementos fantásticos apareçam na trama quando a realidade já não mais der conta. A explicação não está ali por acaso. Muito da história da ascensão e queda de Pablo Escobar (Wagner Moura) é bizarro demais para que um simples olhar objetivo para os fatos consiga contar. Leia mais
“Corrente do Mal” é, em primeiro lugar, uma metáfora para a Aids. Ou, a rigor, para qualquer outra doença sexualmente transmissível. Mas, o fato de a maldição ser contornável, sem solução objetiva, reforça a relação direta com o vírus HIV. Há um pano de fundo moralizante, claro. Nesse sentido, pregando menos o celibato e mais que, talvez, seja uma boa ideia conhecer melhor a pessoa com quem se divide a intimidade. Mas o ponto é como David Robert Mitchell, diretor e roteirista, usa essa premissa – de uma maldição que se transmite através de uma relação sexual – para criar uma atmosfera genuinamente aterrorizante e opressiva. Leia mais
Tivesse estreado no Brasil à época de seu lançamento original, “O Expresso do Amanhã” iria encontrar um povo que começava a se manifestar contra os desmandos do governo, cujo misto de incompetência e mau caratismo seguiam (e seguem) sendo descontados na população. Dois anos depois, o filme encontra um país dividido. Todos desiludidos, exigindo mudanças, em uma disputa ideológica que, por ser seletiva em relação aos temas que levam à revolta, parece mais e mais implicar em um conflito de classes antes de qualquer coisa. O que faz essa história ainda mais urgente e precisa. Leia mais
Quando foi publicado, em 1943, “O Pequeno Príncipe” não foi um libelo antiguerra. Ao menos não direta ou intencionalmente, mesmo se baseando nas memórias de Antoine de Saint-Exupéry como piloto na Primeira Guerra Mundial e tendo sido lançado no meio da Segunda. Mas há uma relação profunda, via oposição, entre os sentimentos que o Pequeno Príncipe evoca, aprendendo e ensinando, e o conflito armado. Basta notar a sensação de isolamento que o Aviador — alter-ego do autor na obra e, portanto, um piloto da Primeira Guerra — sentia no deserto antes de o Príncipe lhe devolver a humanidade, o que envolve a conexão com seu lado infantil. Afinal, poucas coisas são tão adultas quanto a guerra. Leia mais
Se o primeiro “A Escolha Perfeita” seguia a cartilha dos filmes de amadurecimento em grupo através das competições, muitas vezes pervertendo esse subgênero, sua continuação segue o mesmo caminho. Ou seja, o negócio agora envolve obrigatoriamente um desafio global. Mas como ficou claro que as disputas e a preparação eram secundárias, ofuscadas pelas piadas vindas com a interação dos personagens, a sequência eleva o nível da brincadeira. Mal vemos as Barden Bellas ensaiando, por exemplo. Elizabeth Banks, promovida a diretora, sacou que o barato é deixar Fat Amy (Rebel Wilson) brilhar, para ficar no exemplo mais óbvio. Leia mais