“Indomável Sonhadora” emociona e diverte graças a boas escolhas

“Indomável Sonhadora” talvez seja o filme mais estranho dessa temporada do Oscar, perdendo apenas para “O Mestre”, por um cabelo. Mas se o filme de Paul Thomas Anderson é marcado pelo acúmulo de tensão que não é nunca extravasado, “Indomável Sonhadora”, ao contrário, é uma sucessão de extravasamentos. Tudo é clímax, tudo é urgente, tudo é hiperbólico neste pequeno e belo filme.

A história mostra a trajetória da pequena Hushpuppy, intepretada por Quvenzhané Wallis, assim mesmo com esse nome quase impronunciável para a gente. Ela vive com seu pai, Wink, intrepretado por Dwight Henry, na Banheira, uma região não determinada do sul dos EUA (como o título original, “Beasts of Southern Wild”, sugere). A Banheira está em uma área de inundação, já que está nas margens de um rio que possui uma barragem em benefício de uma cidade próxima.

Assim como a própria trama do filme, tudo é fugidio e onírico. É difícil explicar sobre o que se trata, sem meio que contar o filme todo, já que o interesse do diretor estreante, Bneh Zeitlin, está mais na trajetória e desventuras de Hushpuppy do que em fornecer artifícios didáticos para a nossa fruição. Por isso mesmo que não conseguimos situar direito nem mesmo o lugar (no começo parece até um futuro pós-apocalíptico) ou os personagens e suas histórias. Como eu disse, tudo é nuvem e sombra.

Dois aspectos técnicos/estéticos, escolhidos a dedo por Zeitlin, são determinantes para esse aspecto de sonho. O primeiro é a bela fotografia, que surge aqui um bocado granulada. Esse aspecto arenoso das imagens e um excelente uso de foco (especialmente usando bem os momentos em que vale a pena desfocar praticamente tudo nas cenas, como os rostos dos homens da cidade) acompanham todo o filme. Outra técnica é a posição da câmera, deixada na altura dos olhos de Hushpuppy. Porque, afinal, ela é a protagonista da história e é muito importante que vejamos o mundo de seu ponto de vista.

Nada disso teria algum valor sem as interpretações de Quvenzhané e Henry. Ambos não-atores, sem treinamento formal e absolutamente desconhecidos. A selvageria da relação entre pai e filha, por vezes conflitante, por vezes de interdependência e frequentemente de carinho e compreensão – ainda que seja um carinho bruto -, é o que conduz a narrativa por todos os ambientes e personagens absolutamente surreais.

Mas, nesse sentido, o mérito maior é da pequena Quvenzhané. Ou ainda de Zeitlin por ter tido a paciência e tato para arrancar isso dela, que tinha apenas seis anos quando o filme foi gravado. Os olhares, atitudes e gritinhos de Hushpuppy são sempre animalescos, como seria de se esperar de alguém que viveu alijado de algum processo civilizatório. Ainda assim, tudo é, claro, absolutamente humano. Hushpuppy é um produto de seu meio, como poucas vezes se viu no cinema.

“Indomável Sonhadora” é talvez o primeiro representante legítimo do realismo fantástico nas telonas, ainda que não haja uma herança clara dos livros de Gabriel García Márquez ou Jorge Amado. Mas é inegável a aproximação estilística, já que toda a fantasia do filme aparece em um contexto de realidade, diferente de “O Labirinto do Fauno” (primo rico de “Indomável Sonhadora”, talvez), que procura deixar o espectador na dúvida se as partes de fantasia aconteceram ou são delírio da protagonista.

“Idomável Sonhadora” nem se preocupa com uma dúvida dessas porque não há interesse em limitar as possibilidades de interpretação de cada um que assistir. É como se o diretor dissesse que o que cada um achar que é, é.

Publicado originalmente no Portal POP.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

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