Interestelar

Interestelar

Em certo sentido é como se o diretor Christopher Nolan encerrasse uma trilogia com Interestelar. Um projeto que começou em O Grande Truque (ainda seu melhor trabalho) e foi levado adiante em A Origem. O tema que os três filmes encerram, mesmo sendo tão diferentes entre si, é o próprio cinema. Ou, de forma mais ampla, a importância da arte para que a civilização siga adiante.

O Grande Truque é um filme sobre o compromisso do artista e a beleza da ilusão. Sobre como não há atalhos para o caminho da verdadeira arte, só alcançada com o comprometimento de toda uma vida. A Origem é sobre o aparato cinematográfico, com cada personagem simbolizando um profissional do cinema. Temos o roteirista, o ator, o produtor, o diretor e até o técnico de efeitos especiais. É sobre a matéria de que os sonhos são feitos.

Interestelar dá o passo seguinte, se tornando um filme sobre como a salvação da humanidade está em nossa capacidade de imaginar coisas. Então, se em O Grande Truque a ilusão pede compromisso e em A Origem o sonho requer aparato técnico, em Interestelar só é possível ser humano desejando que as ilusões se tornem realidade, coisa que só é alcançada por meio da dedicação e do amor.

Na primeira metade de Interestelar acompanhamos o mundo ao rés-do-chão. Uma praga devasta as colheitas e por mais que as pessoas trabalhem a extinção está batendo à porta. A solução pode ser uma missão espacial para encontrar um novo planeta habitável. O que não apenas é um sonho distante, mas também uma loucura. Arriscado demais em comparação com pesquisas (infrutíferas) para simplesmente erradicar a praga.

O personagem central, Cooper (Matthew McConaughey) é um engenheiro espacial e ex-piloto da NASA que se sente deslocado em um mundo onde é preciso mais e mais fazendeiros. Até que ele é escolhido para comandar a expedição espacial, o que o obriga a deixar seus filhos para trás. Quanto mais tempo ele passa fora, por conta do questão da relatividade, mais tempo se passa na Terra, criando uma distância temporal tão grande e assustadora quanto a espacial. E só o amor pode trazê-lo de volta.

É nesse ponto que Interestelar começa a exigir um pouco mais de fé do espectador. É quando o filme fica piegas, sem muita consideração pelo fato de ter te vendido um thriller espacial com toques dramáticos. Do arco de redenção de Cooper, que descobre no amor uma força tão real e poderosa quanto o tempo ou a gravidade, e se confunde com a trajetória do próprio Nolan, parte do cinismo absoluto da arte pela arte de O Grande Truque, pelo cinema enquanto matéria de si mesmo de A Origem e agora quer transformar o mundo.

Isso pega um pouco porque Interestelar não é nem de perto o filme que quer ser (ou o filme que acha que é). Funciona muito mais como profissão de fé de Nolan em relação ao poder transformador e redentor do cinema – simbolizado na nossa capacidade de resolver problemas impossíveis e de auto sacrifício por um bem maior – do que como thriller de ação genérico, que é o que boa parte do público espera. Especialmente ao ver nos créditos o nome do diretor que trouxe os últimos três Batmans.

O que não quer dizer que não haja momentos de tensão narrativa e visual. As sequências da família ainda na Terra fugindo das tempestades de areia ou a visita da expedição no planeta com as tsunamis gigantescas são de tirar o fôlego. Ainda mais vistas no telão de uma sala IMAX. E mesmo as passagens mais lisérgicas, que emulam o epílogo de 2001 – Uma Odisséia no Espaço, são feitas com um rigor técnico absoluto.

Por isso é até curioso que um trabalho tão meticuloso abrace o melodrama, um gênero considerado menor para todos os fins, de forma tão escandalosamente aberta. Só funciona pela qualidade do elenco e de Nolan em trabalhar com eles.

Interestelar é, enfim, uma corajosa declaração de amor de Nolan ao cinema. Corajosa porque ele torrou US$ 200 milhões (um chute embasado em fatos, já que os valores não foram divulgados) para um filme tão particular e íntimo. Com sorte o público embarca na onda.

Esse texto só foi possível depois de algumas conversas com os sempre brilhantes Marden Machado (cinemarden.com.br) e Guga Azevedo (grandeescape.com).

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

11 de comentáriosDeixe um comentário

  • Gostei do filme, mas como você disse “Interestelar não é nem de perto o filme que quer ser (ou o filme que acha que é)”.
    #spoiler# E posso estar falando bobagem, mas acho que tem um buraco enorme no roteiro. A humanidade não iria acabar caso não conseguissem achar um novo lar? Então como que “nós mesmos” enviamos o buraco de minhoca para a busca ser possivel? Se para isso teríamos que evoluir muito a ponto de dominarmos todas as dimensões para que isso fosse possível. Por mais que se use as próprias explicações de espaço/tempo do filme, o paradoxo permanece. A parte do Cooper sendo o fantasma tem fundamento, pois ele usou o buraco negro que eles acharam depois de usarem o buraco de minhoca enviado por “Eles”. Mas como “Eles” evoluiram para enviar o primeiro buraco de minhoca sendo que a humanidade iria desaparecer? É diferente do paradoxo do “De Volta para o Futuro”, onde o Marty volta e atrapalha o curso da história; se ele não conseguisse fazer os pais se apaixonarem, ele não ia existir, porém com isso não voltaria para avacalhar a linha temporal e seus apis iriam se casar e ele iria nascer. No máximo ia ser um circulo vicioso onde ele existiria e não existiria. Mas no caso de “Interestelar” esse círculo não teria como acontecer, uma vez que o agente principal não teria primeiro a chance de existir.

    • Na real, os dois paradoxos são problemáticos. Mas é outra coisa que funciona melhor metaforicamente do que narrativamente. A metáfora aqui é que a humanidade precisa ter fé em si mesma e não em sonhos do além. Quase um manifesto ateu. Mas é o que você disse: como não funciona narrativamente, quebra a fruição.

      • O lance da metáfora é bacana, mas mesmo assim cria o paradoxo. Porque se a humanidade conseguiu sobreviver à praga e evoluir ao ponto de domminar as dimensões, não teria mais necessidade de enviar ajuda ao passado para garantir a sobrevivência. A menos que sómente uns poucos sobreviveram e evoluíram, mas aí seria pedir fé demais ao público. rsrsrsrs

        • Eles Criaram o “wormhole” para ajudar as pessoas no passado pelo mesmo motivo do desfecho do filme “A Máquina do Tempo(2002)” Onde o protagonista cria uma maquina do tempo para salvar a mulher que ele amava ! porém nao importa quantas vezes ele voltava, sua noiva sempre acabava morrendo ! assim ele descobre que a resposta é que a morte da mulher fez com q ele criasse a maquina do tempo ! se ela tivesse vivido ele não teria criado a maquina ! assim o passado não pode ser alterado ! se o wormhole não existir não haverá anos de evolução em outro planeta.

          • Sim, Bob. Mas aí está o paradoxo: o wormhole foi criado pela humanidade evoluída para salvar a si mesma no passado. Mas isso é a mesma impossibilidade do “A Máquina do Tempo”, já que o wormhole só existe se a humanidade for salva, que só se salva se o wormhole existir. Se você pensar na linha do tempo contínua, há uma versão dessa possibilidade em que a humanidade conseguiu sobreviver e evoluir sem a criação do wormhole, o que quer dizer que toda a trama do filme é desnecessária.

            Mas, de novo, o importante aí é a afirmação de Nolan, em relação à nossa forma de lidar com o desconhecido. Na raiz das forças misteriosas que ajuda a humanidade está a própria humanidade. Interstellar lida com o paradoxo para poder criar uma metáfora poderosa.

  • Se foram humanos que criaram o buraco de verme, não seria mais fácil eles terem uma solução para a crise na agricultura e clima, afinal deve ser bem mais fácil do que criar esse buraco de verme. Mandar a humanidade pra uma estrela que está sendo engolida por um buraco negro? Ah, é que o buraco é a conexão com a menininha chatinha. Aí a humanidade se salva sei lá de que jeito, visto que o terceiro planeta não tinha uma cara muito boa. Vamos orbitar um buraco negro bonzinho, se formos sugados pra dentro dele, vamos viver nas entranhas do quarto da chatinha. Enfim, o filme não sabe onde ir. Christopher Nolan tem filmes até interessantes, só que esse não é um deles. Como a humanidade conseguiu sobreviver pra criar esse parado. Ele pensou que estava fazendo o novo 2001 uma odisséia no espaço, mas passou longe.

    • Bem, Mario. Aí entramos no campo da especulação. Mas dá para considerar que essa jornada humana era mais importante do que entregar a solução para aquele problema pessoal. Mas, de novo, essas são questões pontuais que, a meu ver, não afetam o resultado final do filme. Sua “mensagem”, se assim preferir. O que, claro, não melhora a experiência cinematográfica. E eu entendo que, ao abraçar a pieguice, ele se torne um filme menor. O que estou propondo nesse texto é só uma tentativa de olhar as intenções do Nolan para além da qualidade do roteiro.

      Todavia, obrigado pelo comentário.

  • Nossa, terei que assistir O Grande Truque para tentar entender sua teoria da trilogia pois a achei deveras interessante. Eu sinto que Interestellar dá oportunidade do espectador se abraçar a diversas vertentes como principal ideia. Você se apegou à uma questão filosófica que foi a metáfora ateísta do homem ter fé nele mesmo, Vilela. Para mim o diferencial do filme foi a forma incrível como Nolan colocou em imagens e na prática pelo roteiro conceitos tão abstratos da física moderna. Mesmo sendo tudo suposição, não sei porque eu sentia que se um dia tivermos a oportunidade de ver tais conceitos aplicados ao nosso dia a dia, poderia ser do jeito retratado em Interestellar. E isso me emocionou de uma forma absurda, arrancando lágrimas, por exemplo, na parte do buraco de minhoca. Como é bela a ciência. O melodrama encaixou bem. E os furos no roteiro (que bem considerei tão furos assim) não tiveram nenhum tipo de influência no que senti. E olha que sou detalhista e se fossem erros sérios teriam me chateado.
    Com relação ao paradoxo levantado, confesso que tem um dia que estou pensando nele e não chego a nenhuma conclusão, ahahahahahahah. E um filme que faz as pessoas pensarem sobre é algo que deve ser conhecido.
    Parabéns pela crítica! Não conhecia seu trabalho. Li esta primeira e curti, irei continuar seguindo agora.

    • Valeu, Daniel. A ideia aqui no Crônico é mergulhar mais no filme, buscando relações para dentro e para fora dele mesmo, fugindo um pouco da simplicidade de descrever/avaliar o filme (que também tem seu valor no debate cultural). Quando escrevo um texto que gera tanto debate, mesmo que discordem de mim, tenho bastante certeza que estou no caminho certo. Seu elogio, de alguém que também faz análises de filmes, só confirma isso.

      Grande abraço!

  • Eu acho que quando eles passaram pelo buraco de minhoca eles
    Já não teriam mudado o tempo e espaço e assim criando um
    Padoxo temporal que mudaria toda realidade e assim criando
    Uma linha temporal diferente e assim criando um dimensão
    Onde nessa nova realidade todos aprenderiam a lidar com
    Problema anterior que era esticão e assim aprendendo
    A sobreviver e evoluir e assim também criando aqueles
    Buracos de minhoca pra manda informação para
    Se salvar no passado para que eles fossem ate aqueles
    Planetas

    • O filme não deixa margem para discutir a questão de linhas temporais, Jackson. Dentro da lógica da narrativa, estamos tratando de uma única linha de tempo que dá um nó em si mesma. Daí o paradoxo. Mas essa é, sim, uma leitura possível que explica esse “furo”.

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