Há um motivo simples pelo qual “O Filho de Deus” não funciona como filme, ainda que seja um retrato relativamente fiel da vida de Jesus Cristo. Não há um grande conflito a ser resolvido, para nenhum personagem. E isso vale especialmente para o Central, que, por conhecer seu destino, nada teme ou questiona. Se funciona como versão da Bíblia para quem não tem paciência de ler ou quer revisitar os evangelhos, não apenas é outra conversa como também não é a função desse texto resolver.
“O Filho de Deus” é daquelas biografias ambiciosas que buscam contar tudo sobre a vida de seu retratado. Por isso, depois de uma breve introdução – bem ágil e bonita, que só não é melhor porque acabamos de ver “Noé” -, que começa em Adão e Eva, chegamos no nascimento de Jesus. Ele logo parte em sua peregrinação peripatética, arrebanhando seus discípulos, que, vejam vocês, inclui Maria Madalena – sem julgamentos. A narrativa desemboca, claro, na crucificação, ressurreição e ascensão (suponho que não seja spoiler).
O filme é uma reedição da série “The Bible”, dedicada a contar a história do povo judeu, ainda que boa parte dela já se dedicasse a falar sobre Jesus e seus discípulos. O foco aqui é tanto na desconfiança dos religiosos oficiais – que se ressentiam, primeiro, Dele andar com pecadores e, segundo, de se proclamar Filho de Deus, o que é uma blasfêmia -, quanto na construção do personagem de Pôncio Pilatos, retratado como um tirano cruel, na primeira metade do filme, e, depois, como um líder preocupado com suas ações na segunda.
Esse é o tipo de problema de roteiro e construção de personagens que enfraquece o filme. Afinal, Pilatos é tirânico na hora em que é preciso retratar o sofrimento do povo de Deus. Mas, na crucificação, em que é descrito na Bíblia como um líder consciente, sua crueldade é deixada de lado. É tão caricato que faz lembrar “A Vida de Brian”, naquele momento em que os judeus que conspiram um golpe contra Roma se dão conta de que a vida deles melhorou depois da invasão.
Ainda assim, o `problema` maior é Jesus – enquanto personagem, que fique claro. Como ele se mantém em curso direto, sem desvios, o filme acaba mais próximo de um álbum de fotos, que tem a função de relembrar algo que já passou, do que de qualquer outra coisa. Com isso se perde a oportunidade de, primeiro, reapresentar Jesus sob um novo olhar, levantando questões que o pensamento contemporâneo poderia acrescentar à Sua figura, ou de, segundo, buscar uma compreensão sobre o que Ele passou.
Para não ser injusto, isso até aparece, quando ele encara sua morte iminente. E chega a ser interessante, apesar da limitação técnica de Diogo Morgado – que não é muito melhor do que o resto do elenco -, vê-lo se voltar para seu Pai, perguntando se todo o seu sofrimento é realmente necessário. Mas isso só dura coisa de 15 minutos já no terço final de um filme que durou duas longas horas. Já não dava para salvar muito coisa.
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Publicado originalmente no Portal POP.