Batman vs Superman: A Origem da Justiça

Batman vs Superman: A Origem da Justiça

A cena inicial de Batman vs Superman: A Origem da Justiça (Batman v Superman: Dawn of Justice, 2016) procura redimir a principal ressalva dos críticos sobre O Homem de Aço (Man of Steel, 2013). Depois de um preâmbulo com a dupla função de recontar a origem e estabelecer o estado mental de Bruce Wayne (Ben Affleck), o vemos chegando em Metropolis para testemunhar a destruição causada pela luta entre Superman e General Zod (Henry Cavill e Michael Shannon). O poder destrutivo dos kriptonianos e o horror de uma batalha tão violenta, aliado ao estado paranoico e psicótico do Homem-Morcego, criam a raiz do conflito central do filme. Se o poder corrompe, Batman pensa, o poder absoluto corrompe absolutamente.

Como boa parte da ficção hollywoodiana dos últimos 15 anos, Batman vs Superman capitaliza sobre a paranoia americana pós 11/09. Os eventos do final de O Homem de Aço se tornam o correspondente ficcional ao ataque às Torres Gêmeas de Nova York. Superman deixa de ser um símbolo do potencial humano e se torna a representação do desconhecido, portanto suspeito e culpado por antecipação. Batman é apenas um vértice deste triângulo de paranoia e desconfiança que ainda terá o governo americano, representado pela Senadora Finch (Holly Hunter), e Lex Luthor (Jesse Eisenberg) nas outras duas pontas, cercando o Último Filho de Kripton de tal forma que ele mesmo começa a duvidar de si.

A crise de consciência de Superman nunca chega a ser desenvolvida completa ou satisfatoriamente, tampouco sua desconfiança em relação à atuação do Batman, retratado mais velho e mais violento neste universo (uma descaracterização no mínimo questionável). Por isso o arco dramático central fica em Wayne, cuja complexidade moral o conecta tanto com Kent quanto com Luthor. Na superfície, a conexão do Morcego se dá mais com o vilão do que com o herói de Metropolis. Uma investigação mais profunda aponta o contrário.

Tanto Wayne quanto Luthor são bilionários, gênios e psicóticos, o que lhes dá os meios e a inclinação para tomar uma atitude quanto à presença do Superman no mundo. A diferença central está no Complexo de Édipo do vilão – evidenciado no roteiro – que lhe dá aversão à figuras que ele próprio considera superiores, ressaltando sua mediocridade e fragilidade mental. A escalação de Eisenberg, franzino e falante, em oposição ao tamanho e músculos de Cavill recompensa por oposição. A desconfiança de Batman, porém, não é baseada em uma fragilização de seu ego, mas em seu senso de justiça e preocupação com a preservação de inocentes.

O discuso final de Batman vs Superman é que o poder se manifesta de muitas maneiras. Toda a força kriptoniana pode ser equiparada com recursos e planejamento adequados, como provam as ações de Luthor e Wayne, ainda que ninguém tenha se sentido ameaçado por eles dessa forma (a preocupação de Kent em relação ao vigilante de Gotham, se melhor desenvolvida, deveria recompensar neste sentido). Por isso, apesar dos métodos opostos – inclusive do ponto de vista simbólico, já que um se alimenta do Sol e o outro usa as trevas como arma –, a aproximação moral está entre Superman e Batman, o objetivo real deste filme.

Zach Snyder, o diretor, é um fetichista da imagem. O resultado visual de seus filmes é sempre agradável, raramente indo além do prazer da apreciação, faltando-lhe a sutileza necessária para lidar com metáforas e símbolos – o que talvez explique parte de seu sucesso. Seus cacoetes, como a câmera lenta seguida da aceleração dos movimentos e a trilha sonora onipresente e pesada, dão o tom. Ainda assim há uma preocupação consciente em conciliar os universos dos dois heróis do ponto de vista da fotografia e paleta de cores de Larry Fong. As trevas de Batman começam a envolver o tom mais solar do Superman, em clara antecipação à batalha entre os dois.

Conhecendo a inabilidade de Snyder a impressão é que os méritos da trama, bem como a complexidade dos personagens, parecem vir de Chris Terrio, o roteirista principal. Se a cena inicial é um mea culpa por O Homem de Aço, a relação entre xenofobia e aceitação parecem fazer o mesmo por Argo (2012), filme duramente criticado – apesar das premiações – pela forma como retrata o Irã, pela substituição de um personagem latino por um branco e pela minimização da participação do governo canadense na operação.

Por isso a resolução do conflito, por mais óbvia que seja, é tão interessante. Considerando o trabalho anterior de Terrio – não esquecendo a representação preconceituosa da Pérsia/Irã de 300 (2006), também de Snyder – é uma evolução, ainda que tímida. A conspiração, fruto da paranoia e sede de poder de Luthor, só se resolve quando Batman e Superman descobrem que possuem mais em comum do que seu preconceito deixava ver até então, por mais superficial e expositiva que seja este momento. Uma afirmação poderosa, mesmo soterrada em tantas explosões, cenas de ação e frases de efeito.

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Luiz Gustavo Vilela

Luiz Gustavo Vilela é jornalista formado pela PUC-Minas, especialista em Comunicação e Cultura pela UTFPR, mestre e doutorando em Comunicação e Linguagens pela UTP. Entre 2011 e 2015 foi crítico de cinema no Portal POP.

4 de comentáriosDeixe um comentário

  • Bom dia Luiz quero dizer que eu assisti o filme inteiro do começo ao fim e achei de mais muito bom tanto que estava louco para assistir esse filme foram as 2 horas e 59 Minutos mais emocionantes que eu ja vi espero poder mais uma chance de assistir abraços espero que leia o meu comentario e que o responda um dia

    • Que bom que você gostou, João. Deve ficar algumas semanas em cartaz, pelo menos até a estreia do Capitão América: Guerra Civil. Então você terá bastante chance de rever.

  • Bom dia Luiz!!

    Acredito que o complexo de Édipo tambem serve para Bruce Wayne, pois sem ele perceber, culpa seu pai por ter reagido ao assalto que matou sua mãe. A representação de maior poder em sua infância (seu pai) fracassou. Adulto, ele vê que em algum momento, a representação de maior poder de seu planeta uma hora irá falhar, por isso ele debate contra o Alfred a respeito de sua desconfiança, contra o último filho de Krypton. Mas quando ele vê que no momento de sua morte, ele demonstra ainda sim altruísmo (invés de clamar por sua vida) pedindo a salvação da Martha, ele acaba fazendo o Batman se lembrar do momento de maior impotência de sua vida. Por isso que dá aquela “bugada” rs.

    Oq vc acha? Abração Luiz!!

    • Acho que é uma leitura bastante possível. Vale a pena aprofundar isso aí, ein? Pensando em como isso pode se articular com no Liga da Justiça.

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